À Beira do Colapso: o Estreito de Ormuz e o preço global da guerra que ninguém quer pagar
- Ana Soáres
- 23 de jun.
- 4 min de leitura

O fechamento do Estreito de Ormuz, decretado pelo Irã em resposta a ataques dos EUA, ameaça a estabilidade energética mundial e acende alertas sobre o futuro do planeta. Em jogo: petróleo, soberania, geopolítica e vidas humanas — principalmente as que já nascem nas margens da desigualdade.
“Quando um barril de petróleo vale mais do que uma vida”
No início da manhã de 21 de junho de 2025, o mundo acordou com uma notícia que, embora esperada, caiu como uma bomba — literal e metaforicamente. O parlamento iraniano aprovava o fechamento do Estreito de Ormuz, canal por onde passa aproximadamente 20% de todo o petróleo consumido diariamente no planeta. Um movimento que, na prática, trava um trilhão de dólares em embarques anuais e ameaça empurrar o mundo para uma recessão energética global.

O ataque dos Estados Unidos à usina nuclear de Fordow, dias antes, com seis bombas GBU-57 — as chamadas "destruidoras de bunkers" —, foi o estopim. Mas o pavio está aceso há décadas.
Como afirmou o diplomata iraniano e ex-ministro das Relações Exteriores, Abbas Araghchi, em pronunciamento oficial:
“Quando nossos mortos não comovem, responderemos com impacto nos mercados. O petróleo é o idioma que o Ocidente ainda escuta.”
O gargalo do mundo: por que o Estreito de Ormuz é tão vital
Com apenas 20 milhas de largura, e menos de 3 km de passagem segura para navios, o Estreito de Ormuz é uma hidrovia frágil por onde transitam diariamente até 21 milhões de barris de petróleo. Trata-se de um ponto de estrangulamento logístico e geopolítico — e seu fechamento atinge em cheio:
China, Japão e Coreia do Sul, que dependem da rota para mais de 70% do seu abastecimento energético;
Índia, que já enfrenta crise interna de combustíveis e verá os custos subirem exponencialmente;
Europa, que se verá obrigada a redirecionar rotas, pagando mais caro e levando mais tempo para acessar o mesmo petróleo;
Brasil, que poderá sentir o impacto na inflação, no custo do frete e na política de preços da Petrobras.
Segundo análise da International Energy Agency (IEA), o barril pode ultrapassar US$ 180 nas próximas semanas — um aumento de 90% em relação ao preço atual. E mais do que números, isso significa que o custo da comida, da luz, do transporte e da sobrevivência vai disparar — mais uma vez — sobre os ombros dos mais pobres.

Geopolítica e sangue: quem lucra, quem morre
Enquanto o mundo se debruça sobre a oscilação das bolsas e os gráficos de Wall Street, comunidades invisíveis continuam sendo o campo de batalha da ganância. E é sobre elas que a jornalista iraniana Azar, refugiada no Brasil desde 2021, nos alerta:
“Os Estados Unidos bombardeiam montanhas. Israel mira laboratórios. Mas quem enterra seus filhos são os camponeses, os pescadores, os professores. São eles que somem nos escombros e nunca viram petróleo na vida — a não ser em chamas.”
O fechamento de Ormuz não atinge apenas os tanques dos carros ou os mercados globais. Ele afeta os que jamais foram convidados à mesa onde essas decisões são tomadas.
E quando a bomba atinge o carrinho do supermercado?
No Brasil, a crise energética global pode acender uma tempestade perfeita: aumento de combustíveis, alta no preço dos alimentos e inflação puxada pelos custos logísticos. Em entrevista à Revista Pàhnorama, o economista José Louzada, explica:
“Uma rota de navio mais longa, que passa pela África, como alternativa ao Canal de Suez e ao Estreito de Ormuz, eleva o custo do transporte marítimo em até 400%. Isso impacta toda a cadeia de suprimentos, desde o frete do trigo até o gás de cozinha.”
Mais uma vez, quem sente primeiro é a quebrada, a favela, o campo. As estatísticas são frias, mas a fome é quente.
Guerra ou chantagem? O que está em jogo vai além do petróleo
Não se trata apenas de energia. O Irã, isolado economicamente, comete um ato desesperado — mas profundamente calculado. Ele sabe que ao pressionar a principal artéria do capitalismo global, força uma reação. E, talvez, uma renegociação de sua soberania, de suas sanções, de sua dignidade nacional.
Por outro lado, os Estados Unidos, sob a presidência republicana de Donald Trump em seu terceiro mandato (sim, é 2025), seguem uma política agressiva de “paz por submissão”. Ao atacar instalações nucleares — sem consulta à ONU — provocam não só o Irã, mas enfraquecem o multilateralismo global.
Enquanto isso, a ONU assiste. A Europa se divide. E o Sul Global arde — de fome, de sede, de medo.
A voz do sul: o que o Brasil tem a ver com isso?
Muito. Porque, embora não estejamos no Golfo Pérsico, somos um dos países mais vulneráveis a crises externas, dada nossa dependência de commodities e combustíveis fósseis. E porque a nossa política externa — que já foi referência de diplomacia — hoje se mostra hesitante e omissa.
Conversamos com o ex-chanceler Celso Amorim, que defende a retomada de um protagonismo ético do Brasil:
“O Brasil precisa se posicionar como voz da paz, do diálogo. Temos credibilidade para isso. Mas, se seguirmos apenas alinhados ao que manda Washington, perderemos mais do que petróleo: perderemos nossa soberania simbólica.”
E se o estopim da Terceira Guerra for um barril?
O fechamento do Estreito de Ormuz é mais do que um ato de guerra. É um sintoma. De um mundo que continua apostando em armas, em combustíveis fósseis, em jogos de poder travestidos de diplomacia.
E é também um espelho. Que nos obriga a perguntar:
Por que o mundo não fecha estradas por vidas perdidas, mas fecha mares por petróleo bloqueado?
Nesta encruzilhada histórica, a escolha está dada. Ou seguimos repetindo a equação da destruição — poder + petróleo = sangue — ou reinventamos, de fato, uma nova política internacional baseada na justiça climática, na cooperação entre povos e no fim da geopolítica do medo.
A pergunta que deixo é: Quanto tempo mais vamos aceitar que nossas vidas valem menos que um barril de petróleo?
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