Semana passada, o Pantone Color Institute escolheu a Cor do Ano para 2025, a Mocha Mousse, um marrom em tons de chocolate ou café gourmet superfaturado. Imediatamente ao anúncio pelo perfil no Instagram, surgiram posts e mais posts sobre a tal cor do ano, o motivo de ela ser especial e inúmeras combinações de looks, cores e designs. Se você se interessa por Moda ou Design, é possível que o algoritmo tenha lhe entregado algum conteúdo neste sentido. Observando este fenômeno, algumas questões surgiram.

Não me entenda mal, gosto muito de chocolate e café gourmet superfaturado, reconheço o apelo sinestésico desse tom de marrom evocar cheiros, texturas, sabores e aconchego, como foi a justificativa para a escolha dessa cor. Como uma pesquisadora bem disciplinada na matéria Moda, o primeiro questionamento foi sobre como surgiu essa tendência de indústria, então fiz uma breve busca para entender. Em suma, tudo se resume ao lucro gerado por parcerias entre grandes marcas e setores da indústria com o selo Pantone de exclusividade. Mais uma estratégia de incentivo ao consumo exacerbado através do senso de pertencimento de que estar usando a Cor do Ano pode gerar.
Enquanto ainda refletia sobre isso, me deparei com a icônica cena do filme O Diabo veste Prada, em que Miranda, a redatora-chefe da grande revista de moda, faz um discurso digno de palanque, explicando à estagiária, que não entende nada de moda, sobre como ela é influenciada mesmo sem se importar. Usando cintos em tons de azul, de diferença quase imperceptível, como exemplo da influência que um seleto grupo de pessoas têm sobre a cadeia industrial. Justifica que precisa escolher entre um dos cintos para estampar o editorial da revista, ditando as tendências na direção certa de mercado. Ainda cita o exemplo de um estilista que usou azul cerúleo em um desfile para que, anos depois, a cor estivesse nas prateleiras das lojas de departamento de esquina, onde a estagiária desinformada supostamente comprou o casaco que estava vestindo na ocasião, palavras de Miranda. Achei importante descrever a cena, porque ela já é uma síntese bem interessante sobre como funciona a indústria da moda. Ou funcionava.
Ainda nesse exercício reflexivo, lembrei de uma palestra incrível do Professor Guido Conrado, mestre e doutor em Filosofia da Arte e Estética, lançando sua tese em livro Moda: uma trama filosófica, que certamente será um livro de referência para minha pesquisa em estética. Ele discorre sobre como a mudança da comunicação no Capitalismo pós-fordista interfere diretamente nesses processos da cadeia industrial da Moda. Argumenta que estamos na transição de uma organização social de massas para as multidões, em que as vozes subjetivas de cada indivíduo busca diferenciar-se e, ao mesmo tempo, reconhecer-se no outro. O lugar de fala especial cai, diminuindo as possibilidades de alguns falarem por muitos. E a principal qualidade relacional que estamos desenvolvendo neste período é a escuta, e não mais a fala, já que o nosso valor é dado pelo outro.
Embora entenda que desfiles de grandes grifes, um pequeno grupo de pessoas muito influentes e a indústria ainda ditam as regras de consumo, consigo ver esse movimento defendido pelo professor acontecendo com certo otimismo. Acho que um bom exemplo desse movimento na moda é o fortalecimento da cultura do diy, "Faça você mesmo", que pudemos observar com o avanço da internet, em seus infinitos tutoriais, e a democratização do acesso às informações de moda e algumas ferramentas, viabilizando a produção de roupas e acessórios em casa com os materiais disponíveis, adaptando e criando novas tendências. Outro exemplo, que parece ilustrar bem esse movimento, é a valorização dos processos de upcycling e redesign de peças prontas, apontados como uma tendência futura. Todas são estratégias de autonomia, em que a voz subjetiva, o estilo pessoal e personalizado, se sobrepõe às tendências de mercado. A moda se torna um importante meio de expressão amplo e consciente. Aliás, sempre bom lembrar dos movimentos de contracultura que sempre utilizaram os códigos de vestimenta como ato político. E que hoje, com o avanço tecnológico e social, temos a liberdade e o alcance para ampliar esses movimentos que buscam a expressão subjetiva do indivíduo e de suas comunidades através da moda e da estética.
Em tempos de redes sociais e de telas que dominam o nosso psiquismo, criando toda uma nova ordem simbólica, a imagem serve como uma importante ferramenta de afirmação e pertencimento nos tempos de identitarismo. Também como ferramenta de dominação, fenômeno antigo em nossa história, que ganha uma força extraordinária com o avanço tecnológico. Entretanto, prefiro trabalhar com os aspectos positivos desse avanço mantendo o otimismo. Fortalecer e incentivar a valorização das subjetividades como exercício de autonomia e liberdade de expressão, ampliando nossas referências de estilo e estéticas, com sensibilidade. É só olharmos mais para as ruas e espaços do cotidiano e menos para tendências ditadas pelas indústrias. Nas ruas, não vejo muitas pessoas preocupadas em vestir a Cor do Ano eleita pela Pantone, você vê?
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