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Ana Soáres

A Volta do X: Liberdade Digital ou Jogo de Poder?

O inesperado retorno do antigo Twitter, agora conhecido como X, ao Brasil, reacende debates sobre o poder das grandes corporações digitais e o controle estatal.



Twitter, antigo X

Na manhã de quarta-feira, 18 de setembro de 2024, milhões de brasileiros se depararam com uma novidade inesperada: o X, a plataforma de redes sociais anteriormente conhecida como Twitter, voltou a funcionar parcialmente no Brasil. O retorno, sem qualquer anúncio oficial por parte das autoridades, reacendeu debates sobre liberdade de expressão, poder das big techs e a regulação estatal em uma era marcada pela digitalização da comunicação.

O empresário Elon Musk, proprietário do X, já havia protagonizado uma série de embates com o governo brasileiro desde que assumiu o controle da plataforma em 2022. A suspensão do Twitter no Brasil, determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2023, ocorreu após a plataforma ser acusada de facilitar a disseminação de desinformação e incitação ao ódio. Agora, a inesperada volta da rede social traz novos questionamentos sobre as condições e os desdobramentos desse retorno.

O cenário digital no Brasil tem sido palco de uma disputa complexa entre interesses econômicos, políticos e sociais, que remete a uma longa história de luta pela liberdade de expressão no país. Se nos tempos da ditadura militar o controle da narrativa estava nas mãos do Estado, hoje esse controle passa para as grandes corporações digitais, que, muitas vezes, operam além das fronteiras nacionais, complicando ainda mais o cenário regulatório.

Segundo dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV), 71% dos brasileiros afirmaram ter se deparado com informações falsas nas redes sociais em 2023. Esse alarmante dado foi um dos principais motivadores para a criação da Lei das Fake News, que visa regular o ambiente digital e combater a disseminação de desinformação. A suspensão do X foi parte desse esforço, em um momento de crescente polarização política e radicalização dos discursos online.

Elon Musk, no entanto, desde que assumiu a plataforma, buscou transformá-la em um espaço de liberdade irrestrita de expressão, sem as limitações impostas por governos locais. Esse posicionamento, porém, colidiu diretamente com o entendimento do STF, que viu na falta de controle do X uma ameaça à ordem pública e ao processo democrático. A multa milionária imposta à Starlink, outra empresa de Musk, por descumprimento de obrigações fiscais no Brasil, foi um dos muitos capítulos dessa relação conturbada.

O retorno parcial do X ao Brasil foi marcado por incertezas. Embora disponível nas lojas de aplicativos do Google e da Apple, a rede social ainda não estava acessível via navegadores como Chrome e Safari, gerando especulações sobre a natureza desse retorno. Enquanto o STF e o ministro Alexandre de Moraes mantêm silêncio sobre o caso, há indícios de que um acordo financeiro pode ter permitido a reabilitação temporária da plataforma no país.

Essa reativação, contudo, representa mais do que a volta de um aplicativo à vida digital dos brasileiros. Ela simboliza uma nova fase de disputa entre o poder das corporações tecnológicas e a capacidade do Estado de regular suas atividades dentro de suas fronteiras. No Brasil, onde mais de 85% da população tem acesso à internet e 71% dos usuários utilizam redes sociais como principal fonte de notícias, o impacto dessas plataformas na formação da opinião pública é inegável.

Nos últimos anos, as redes sociais democratizaram o acesso à informação, ampliando vozes antes silenciadas, principalmente as de minorias sociais e políticas. Entretanto, a falta de uma regulação eficaz também transformou esses espaços em ambientes férteis para a proliferação de desinformação, discursos de ódio e teorias conspiratórias. A capacidade dessas plataformas de moldar debates públicos e influenciar eleições coloca em xeque a ideia de que elas são meramente ferramentas de comunicação neutras.

A volta do X acontece em um momento em que o Brasil se encontra profundamente dividido, tanto política quanto socialmente. As redes sociais desempenham um papel central nesse cenário, amplificando opiniões, polarizando discussões e, em muitos casos, manipulando informações para atender a interesses específicos. A reabertura da plataforma pode intensificar esses fenômenos, levantando preocupações sobre a capacidade do país de manter um ambiente digital saudável e democrático.

Historicamente, o Brasil tem uma relação conturbada com a liberdade de expressão. Desde o regime militar, passando pela redemocratização, até hoje, o controle sobre a narrativa pública sempre foi uma ferramenta poderosa nas mãos do Estado. No entanto, com o advento das redes sociais, esse controle foi transferido para empresas privadas, a maioria delas com sede no exterior. Esse deslocamento de poder trouxe novos desafios regulatórios, que governos de todo o mundo, incluindo o Brasil, continuam tentando compreender e gerenciar.

A questão que se coloca é: como regular essas plataformas sem comprometer a liberdade de expressão? Como garantir que as redes sociais não sejam usadas como ferramentas de manipulação política e disseminação de ódio, sem, ao mesmo tempo, violar direitos fundamentais dos cidadãos? A criação da Lei das Fake News foi uma tentativa de responder a essas perguntas, mas sua implementação enfrenta desafios significativos.

O retorno do X ao Brasil coloca em foco essas questões mais uma vez. A plataforma, sob o comando de Musk, estará disposta a seguir as regras do jogo impostas pelo STF? Ou será que o país testemunhará uma nova rodada de disputas judiciais, potencialmente mais acirrada e com consequências ainda mais profundas para o ecossistema digital brasileiro?

O que é certo é que estamos apenas no início de uma nova era de disputas entre governos e corporações digitais. O Brasil, com suas complexas dinâmicas sociais e políticas, é um campo de batalha crucial nessa luta pelo controle da narrativa. E enquanto aguardamos por respostas concretas das autoridades e da própria plataforma, a sociedade brasileira se prepara para enfrentar mais um capítulo dessa história em constante evolução.

Por enquanto, resta ao público observar com cautela o retorno do X e refletir sobre seu papel no futuro da democracia digital no país. Afinal, o controle das redes sociais é, em última análise, uma questão de poder. E o poder, como sabemos, sempre foi uma moeda valiosa na história do Brasil.

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