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Marcelo Teixeira

Aventuras eleitorais

 

Eleições 2024

           


Atuo como voluntário nas eleições desde 1989, quando o povo escolheu Fernando Collor para presidente. À época, cinco pessoas compunham o time da seção eleitoral: o presidente, dois mesários e dois secretários. O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) me convocou, então, para ser o segundo-secretário. Com o tempo, fui subindo de posto. Eu vinha como presidente de seção há um tempo. Só que, há quatro anos, me pediram para ser administrador de prédio, ou seja, uma das pessoas encarregadas de tomar conta do local que abriga as seções eleitorais. A gente recebe o material que será utilizado na votação; organiza o espaço; aproveita ou dispensa, se for o caso, os que foram convocados como suplentes, entre outras funções.

 

            Em todos estes anos, já vi de tudo: gente que aparece embriagada para votar; gente que se enrola na cabine e provoca uma fila imensa; gente que vota em outro lugar e teima que vota onde estou... À época da pandemia, houve um rapaz sem máscara nem camisa (mandei-o vestir a camisa; e como ele não tinha máscara, lhe cedi uma das minhas); uma mulher que insistia em votar apesar de estar com Covid atestada por um laudo médico (tivemos de chamar um policial militar para acompanhá-la até a saída do colégio antes que ela contaminasse alguém; não sem antes reiterar que a recomendação das autoridades era para que portadores da doença ficassem em casa); gente que perdeu o título e não lembrava mais o número da seção (há oito na escola onde atuo), entre outros contratempos.

 

A votação de 2018 foi bem tensa, confesso. Não só pela quantidade de cargos a serem votados (presidente, senador, governador, deputado federal e deputado estadual), mas também porque, aqui em Petrópolis, houve um plebiscito. Os eleitores tinham de votar SIM ou NÃO pela manutenção das charretes, que ficavam disponíveis para passeio em frente ao Museu Imperial. Como os cavalos eram maltratados, decidiu-se ouvir a população por meio do plebiscito. O povo, no entanto, apesar da campanha maciça na mídia local, não tomou conhecimento. E além de se enrolar com a quantidade de cargos, se atrapalhou com o SIM ou NÃO pela manutenção das charretes. Resultado: grandes e lentas filas. Para piorar, muitos dos eleitores que votaram 17 chegaram num tom bem arrogante, intimidando as demais pessoas. Tivemos de ser firmes.

 

Dentre as várias histórias vividas por mim em tempos eleitorais, uma, no entanto, tem um local especial na minha memória. Foi em 1994, quando Lula e Fernando Henrique Cardoso (FHC) disputaram a presidência. Ainda não havia urnas eletrônicas, e as cédulas eram de papel. Em uma cédula, a pessoa marcava um X nos nomes do presidente, do governador e dos senadores. Na outra, era preciso escrever os nomes e/ou números dos deputados. 

 

Minha seção, antes de ir para o colégio que hoje a abriga, funcionava numa loja vazia que pertencia a uma indústria de massas alimentícias. E ficava à beira da rua principal. Eu coordenava a entrada dos votantes quando chegou a vez de uma senhora bem simples, beirando os 70 anos. Ela, então, me disse “Meu filho, não sei se vou conseguir votar. Levei uma paulada na cabeça ontem, e estou vendo tudo embaçado”. Não quis saber o motivo. Apenas a encaminhei à mesa para os devidos registros. Apesar da suposta paulada, era uma senhora brejeira, digamos.

 

Tão logo ela recebeu as cédulas, conduzi-a até a cabine de votação e expliquei o que deveria ser feito. Ela pegou as cédulas e dirigiu-se à saída. Segurei-a pelo braço e expliquei que ela não podia sair da seção com as cédulas em punho. Ela, então, disse que não estava enxergando e queria a ajuda da luz do sol para ler os nomes dos candidatos. Conduzi a despachada senhorinha de volta à cabine. Não sem antes olhar para meus colegas, que aguardavam para ver como eu resolveria a situação.

 

Já de volta à cabine, ela continuou lamentando por não estar enxergando nada. O que fazer? – pensei. Foi então que, num lampejo de genialidade, tirei meus óculos e coloquei nela! Toma, veja se resolve! Maravilhada, ela disse: – Ai, que beleza! Agora estou vendo tudo!

 

Meus colegas de seção começaram a segurar o riso. Eu também. A senhorinha, então, perguntou quem eram os nomes da primeira coluna. Respondi que eram os presidentes, peguei uma cédula em branco e li um por um. Ela escolheu o que melhor lhe convinha. Em seguida, li os candidatos a senador e governador, e ela fez as escolhas. Em nada interferi. Quando chegou a vez da cédula dos deputados, avisei que era preciso escrever os nomes ou números deles. Como ela não tinha candidatos (e nem ideia do que é um processo eleitoral, pelo visto), deixou em branco. Então, peguei meus óculos de volta, ela depositou os votos na urna e foi embora, agradecida e toda faceira.

 

Tenho hipermetropia desde os 4 anos de idade. Por isso, uso óculos desde criança; eles fazem parte da minha personalidade. Eu tinha também estrabismo (era vesgo), que foi corrigido via cirurgia quando eu tinha 9 anos. Mas a hipermetropia ficou. De uns anos para cá, chegou também a presbiopia, mais conhecida como vista cansada.

 

Tiro de letra usar óculos; estou acostumado. Mas jamais imaginei que eles seriam úteis, no primeiro turno das eleições de 1994, a uma eleitora que havia levado uma paulada na cabeça, sabe lá Deus de quem. Surreal!


Marcelo Teixeira

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