
O filme “Ainda Estou Aqui”, que conta a história da luta de Eunice Paiva para manter a família unida e se erguer após o sumiço e morte do marido à época dos anos de chumbo, vem conquistando vários prêmios e devolveu ao nosso povo o orgulho de ser brasileiro e de ter uma produção cinematográfica criativa e pujante. Despertou-nos ainda para a premente necessidade de mergulharmos em fatos mal contados de nosso passado, a fim de que este passado seja devidamente explicado e contextualizado. Só assim, períodos nefastos como a escravidão, a ditadura Vargas e a ditadura militar não mais se repetirão ou perpetuarão, já que estaremos plenamente conscientes dos pormenores dessas épocas de trevas e teremos estofo cultural e histórico para fortalecermos nossa democracia e amadurecermos como país.
Ao mesmo tempo, a nação tida como a mais poderosa do mundo vê tomar posse um presidente que não prima pela humildade e pelo diálogo. Ao contrário, se mostra disposto a deportar imigrantes, perseguir transexuais, impor sanções econômicas a nações e ter delírios expansionistas.
Curiosamente, nestes últimos dias, as redes sociais têm intensificado a quantidade de perfis em que americanos e europeus que vivem em solo brasileiro tecem os mais rasgados elogios ao nosso país. Já era algo que volta e meia aparecia para mim. No entanto, de uns dias para cá, o número de olhos brilhantes de jovens brancos de sotaque carregado aumentou exponencialmente.
Eles elogiam comidas como tapioca, pão de queijo, pastel, açaí e coxinha. Ficam extasiados com as igrejas banhadas a ouro de cidades como Salvador e Ouro Preto. Encantam-se com cidades à beira-mar como Maceió, Rio de Janeiro e Florianópolis etc. Além disso, dizem que toda comida originária de outros países fica melhor quando é feita aqui. É o caso do cachorro-quente, que aqui leva um delicioso molho à base de cebola e tomate. E também batata-palha, cenoura ralada, passas e tudo aquilo que adoramos colocar no prosaico pão com salsicha (eu prefiro com linguiça). E também da cerveja, do churrasco, dos doces encontrados em festas de aniversário, dos bolos de casamento... Elogiam também a forma carinhosa com que nos cumprimentamos, as festas com DJs, nosso batuque de samba e axé e o carinho para com os estrangeiros.
Somos um país com sérios problemas, bem o sabemos. Uma mentalidade escravagista que desbanca para o racismo que nos infelicita como nação é um deles. E acredito que, por causa da questão racial, outros problemas viscerais que nos atormentam venham no rastro: truculência policial, violência urbana, desprezo para com as classes menos favorecidas, injustiça social... Isso sem falar na corrupção endêmica, na educação deficiente, na questão ambiental, entre outras.
Esse olhar carinhoso e empolgado que os estrangeiros que aqui vivem possuem talvez evidencie que não somos tão ruins como pensamos. Afinal, não guerreamos com nações, não impomos sanções, não reivindicamos territórios alheios etc. Nossos problemas são internos, ou seja, de nós para conosco.
Precisamos, por isso, intensificar a luta em prol de questões como melhoria da saúde e da educação públicas, politização das pessoas, preservação da nossa memória, crescimento sustentável, reordenamento urbano, combate a todo e qualquer tipo de preconceito entre muitos outros itens.
Não será fácil. Será, isso sim, uma batalha campal que irá exigir de todos nós renúncia, diálogo, negociação, coragem para enfrentar os boçais de sempre, cooperação e tudo mais que aparecerá ao longo do caminho e que puxará pela criatividade e intelecto de todos nós. E é um trajeto do qual não podemos fugir se quisermos ser uma nação que será ainda mais adorada pelo povo que vem de fora.
Pode ser que eu esteja enganado (tomara que não), mas as diatribes de Donald Trump podem estar sinalizando o início do fim da hegemonia global dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, nações como o Brasil emergirão no cenário mundial. E se temos todos esses encantamentos que deixam turistas fascinados, podemos emergir não como um novo EUA (o mundo não precisa mais disso), mas como um país próspero, rico em cultura e diversidade, fraterno e acolhedor que soube resolver os próprios problemas ao insistir na luta pelo estado democrático de direito.
Marcelo Teixeira
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