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Cigana Carmem

Ciganos: O abominável incômodo da engrenagem social - Parte 1.


Ciganos, um povo marcado como gado, mas mesmo assim um povo feliz.



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Olá, minha cara leitora. Que alegria contar com você aqui novamente! Para uma entidade como eu, é uma satisfação contagiante dispor desse espaço de fala nesta revista, semanalmente.  Uma coluna exclusiva, com liberdade para atabular da maneira que me satisfaz é um privilégio muito grande. Estou sempre agradecendo a Ana Paula Soares por essa oportunidade. Ainda mais, por conta das equivocadas interpretações acerca do nosso povo, nossa origem, nossa cultura, as quais se perpetuam por séculos, erroneamente, principalmente pelo fato de que nós, ciganos, não possuímos registros escritos, nem documentos que comprovem nossa cultura, costumes e origens. Nosso conhecimento é transmitido de geração para geração, oralmente.


Tal conjuntura é um prato cheio para invencionices populares e mais especificamente, propicia   um vasto terreno fértil e muita munição para a sociedade cristã nutrir o inconsciente coletivo com a história fajuta que mais lhes convém. Enfim, há muitas dissimulações a respeito do nosso povo, e por um simples motivo: como muitos povos, nós não nos deixamos domesticar. E isso, para a sociedade doutrinária e castradora em que vivemos, é inaceitável. A ira que causamos na sociedade, entretanto, se dá meramente porque nossa característica nômade nos concede uma certa benesse: a de nunca estarmos em um lugar fixo. Torna-se mais árdua, portanto, a missão de nos catequizar, uma vez que um povo que se enraíza num determinado local por muito tempo termina acoplando à sua essência a cartilha dominante do lugar, a ponto de acreditar que aquela é sua natureza, esquecendo por completo da sua verdade de alma. Ou seja, para a sociedade vil que somos nos cerca lisos como sabão, escapulimos antes mesmo de um piscar de olhos e ninguém sabe do nosso paradeiro. Talvez, por isso, ainda hoje exista por aí um vasto número de ciganos, embora, sejamos um povo mais dizimado que negros e índios. E esse comentário não é vitimismo. Pelo contrário, lamentavelmente, é uma estatística.


Sendo assim, pensem o que quiserem a nosso respeito, porque o arrebatamento que assalta meu coração orgulhoso é que, não somos assassinos, nem mentirosos, tampouco manipuladores. Ou você já ouviu falar que o povo cigano queimou milhões e milhões de pessoas nas fogueiras da Inquisição usando o nome de Jesus para justificar tais atrocidades, injetando no inconsciente coletivo que aqueles eram os castigados que serviam de exemplo para quem desobedecesse aos mandamentos de Deus? Você já ouviu algo a respeito? Eu também não. Por acaso, minha cara leitora, você já ouviu alguma espécie de comentário a respeito de o povo cigano ter preconceito contra negros, índios, homossexuais, pessoas trans, bissexuais, homossexuais ou qualquer outro tipo de diferença entre as pessoas? Diga lá! Alguém já te contou algo a respeito? Pois é, para mim também não.


Hilário, não é mesmo? Pois justamente os cristãos, que se dizem pessoas de bem, viventes civilizados, e mais pontualmente, as instituições religiosas cristãs que tanto alardeiam os mandamentos de Deus para arrebanhar fiéis, desobedeceram seus mandamentos. Pois que eu me lembre, um deles é "Não matarás"! E não há, nas palavras de Deus, condicionamento. Quer dizer, não matar desde que... Deus deixa bem claro em seus ensinamentos que não há absolutamente nada que justifique matar pessoas. Logo, assassinato de qualquer natureza, vai contra a vontade D`Ele. Então, como se explica a multidão de mulheres, crianças, e homens mortos nas fogueiras da Inquisição pela Igreja Católica? Como se explicam as milhares de pessoas enforcadas em praça pública na Idade Média pela mesma instituição religiosa que dizimou centenas de povos, como o nosso, por conta de suas diferenças?  Que eu me lembre também, não há, em lugar algum, nas palavras de Deus, qualquer menção a respeito de segregar pessoas por conta das opções de gênero ou ainda por conta da cor, ou até mesmo devido à origem.  E não é de hoje que a Igreja Evangélica, paladina da família, defende tais conceitos, destilando ódio a qualquer uma dessas diferenças entre seres humanos.  Até onde eu sei, o ódio também está bem longe do repertório de Jesus Cristo. Também não encontrei, em tudo que li, em séculos de vidas terrenas, alguma ordem ou autorização para colocarem palavras na boca de quem quer que fosse, distorcendo tudo que o Cristo pregava. O que mais tenho encontrado, todavia, em séculos de reencarnações, são interpretações convenientes das palavras de Deus. Isto é, cada instituição religiosa interpreta seu lexema conforme o que lhe convém e, por questões de poder e interesses próprios, vendem essas interpretações como verdades, tendo como escopo o medo e o castigo.


E nós, os ciganos, é que somos tachados de bandidos, pândegos, pagãos e trambiqueiros. Vejam só que coisa, não é? Justamente para nós que cultuamos as danças sagradas porque a vida é sagrada, o corpo feminino é sagrado, a família é sagrada. E defendemos a liberdade de ir e vir, de agir segundo o livre-arbítrio, e não na base de chibatadas morais com o intuito de encabrestar pessoas. Nós, justamente nós, que dançamos para a vida, para celebrá-la.  E a dança é a representação da abundância, da fertilidade, uma vez que, para nós, a sexualidade não tem caráter vergonhoso porque ela é a seiva nutridora da vida. Geradora de vida. Divina, portanto.


Preconizam aos quatro ventos que ciganos são ladrões. E quem rouba a consciência das pessoas é o quê? Quem ceifa a vida de crianças, mulheres e idosos como os senhores da guerra que estamos presenciando é atualmente o quê? Quem desfalca o direito divino de um ser humano de seguir a si, como o próprio Jesus fez, é o quê? Todo aquele que julga o próximo lhe rouba a integridade de errar e aprender, todo aquele que aponta o dedo para outra pessoa, considerando-se superior, é gatuno da evolução de uma alma em estágio de aprendizado e crescimento. Todo aquele que se diz cristão, mas se vale das palavras do senhor para submeter qualquer ser vivo a seu próprio ponto de vista é usurpador da verdade.


Enfim, minha cara leitora, trouxe hoje algumas reflexões com o intuito de repensarmos alguns conceitos arraigados no inconsciente coletivo a respeito de diversos preceitos que nos impõem ao longo da vida, mas que nos furtam a felicidade moral, psíquica e espiritual.


Um afago,

Cigana Carmem.

 

 

 

 

 

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