[CRÍTICA] É Assim Que Acaba — quando o amor se confunde com dor
- Manu Cárvalho
- 3 de abr.
- 5 min de leitura
LUZ, CÂMERA, CRÍTICA! {PAST TENSE MOVIE} — Por Manu Cárvalho

Algumas histórias não são contadas para nos entreter, mas para nos fazer refletir. É Assim Que Acaba (It Ends With Us), lançado nos cinemas brasileiros em 8 de agosto de 2024, é um desses filmes. Adaptado do best-seller de Colleen Hoover, o longa dirigido por Justin Baldoni mergulha com coragem em um tema delicado: os ciclos de abuso em relações amorosas. O filme não se contenta em mostrar o que é visível; ele explora as camadas internas de dor, repetição, silêncio e culpa.
Blake Lively lidera o elenco com uma atuação que mescla firmeza e fragilidade, acompanhada por Baldoni no papel de Ryle Kincaid e Brandon Sklenar como Atlas Corrigan. A trama pode parecer, a princípio, uma história de triângulo amoroso. Mas não se engane: o que o filme realmente quer discutir é o que acontece quando você ama quem te fere — e como encontrar forças para dizer "basta".
A trama: entre flores, promessas e cicatrizes
Lily Bloom (Blake Lively) é uma mulher determinada. Após a morte do pai abusivo, ela decide recomeçar a vida em Boston e abrir sua própria floricultura. Em uma noite aleatória, conhece Ryle (Justin Baldoni), um neurocirurgião carismático, engraçado e inicialmente avesso a compromissos. O encontro entre os dois é elétrico e logo se transforma em relação.
Mas o que começa como um conto de fadas desmorona conforme a personalidade controladora e agressiva de Ryle emerge. Lily se vê presa em um relacionamento onde o amor convive com o medo. Quando Atlas (Brandon Sklenar), seu primeiro amor, reaparece, ela é confrontada com lembranças de um tempo em que o afeto não doía. A história se desenvolve como um mosaico entre passado e presente, revelando as camadas emocionais que tornam a saída de uma relação abusiva mais complexa do que parece.
Blake Lively: intensidade contida e olhos que gritam
No centro do filme está Blake Lively, que oferece talvez uma das atuações mais densas de sua carreira. Sua Lily é uma mulher que quer acreditar no amor, mas que precisa aprender a reconhecer seus limites. Lively interpreta esse arco com maturidade: a alegria inicial, o entusiasmo dos recomeços, o terror disfarçado em silêncio, a confusão, a raiva, e por fim, a determinação. Tudo sem excessos, apenas com respirações contidas e olhares demorados.
Há uma cena, em especial, onde Lily fala sobre como seria criar uma filha dentro de um ciclo de violência. É um dos momentos mais fortes do filme, e Lively segura o peso do texto com uma vulnerabilidade cortante. Ali, entendemos por que ela foi a escolha ideal para o papel: ela não interpreta Lily, ela é Lily.

Justin Baldoni: o charme que encobre a ferida
Baldoni não se contenta em dirigir o filme: ele também assume o papel de Ryle. Sua atuação é perigosa porque é eficaz. Ele é encantador, divertido, brilhante. E é isso que torna suas explosões de raiva e possessividade ainda mais assustadoras. Baldoni entende que o abuso muitas vezes não é constante, é cíclico. E mostra isso com clareza: o homem que abraça é o mesmo que fere. E é esse contraste que confunde as vítimas.
Sua Ryle não é um vilão caricato. Ele é humano, o que não é uma desculpa, mas uma advertência. O filme nos convida a ver o abusador não como um monstro externo, mas como um homem comum que não lidou com seus traumas e escolheu repetir o ciclo da dor. Isso não o redime. Apenas o explica.
Atlas: o que poderia ter sido
Brandon Sklenar tem menos tempo de tela que os outros dois protagonistas, mas sua presença é fundamental. Atlas representa a memória de um amor que era seguro, gentil e livre. Seu retorno à vida de Lily não vem como salvação, mas como lembrete do que ela merece.
Sklenar interpreta Atlas com calma, dignidade e escuta. Em contrapartida à intensidade destrutiva de Ryle, ele é silêncio, apoio e esperança. É através dele que Lily percebe que o amor não precisa doer para ser real.
A direção e as escolhas narrativas
Justin Baldoni opta por uma direção intimista. Cenas longas, enquadramentos fechados, cortes suaves. Ele aposta na intensidade dos diálogos e no espaço que dá aos atores para respirar em cena. A montagem intercala presente e passado com fluidez, sem confundir o espectador. Os flashbacks da infância e adolescência de Lily ajudam a construir o quebra-cabeça emocional da personagem.
A trilha sonora é pontual, sem manipulação emocional barata. A fotografia aposta em tons quentes no início do filme e vai esfriando conforme a narrativa se aprofunda. Tudo pensado para acompanhar o declínio emocional da protagonista.

Os silêncios e os não-ditos: onde a dor se esconde
Talvez o grande mérito do filme esteja na sua capacidade de mostrar como a violência doméstica nem sempre é física, nem sempre é gritada. Muitas vezes, ela está no olhar que congela, na mão que treme antes de tocar a porta, no celular revistado, na opinião censurada.
É Assim Que Acaba é um filme sobre medo. Mas também sobre coragem. Coragem de reconhecer que o amor não justifica tudo. Coragem de dizer que não vai continuar. E essa coragem, muitas vezes, é silenciosa.
Recepção: divisões e discussões necessárias
A recepção crítica foi dividida. O The Guardian elogiou a atuação de Lively e a tentativa do roteiro de trazer profundidade emocional a um tema delicado. Já o The New Social Worker criticou o risco de simplificar o abuso através de uma narrativa romântica, alertando que o filme poderia passar mensagens ambíguas.
No entanto, o público — especialmente os leitores do livro — respondeu com entusiasmo. Em redes sociais, multiplicam-se depoimentos de mulheres que se sentiram representadas, que encontraram na história de Lily uma forma de validar suas próprias experiências.
Fidelidade ao livro e as adaptações necessárias
A obra original de Colleen Hoover tem uma legião de fãs apaixonados, o que coloca sobre o filme a pressão de ser fiel às emoções do texto. Baldoni e Christy Hall, que assina o roteiro, fizeram cortes e ajustes — alguns dos quais dividiram opiniões. Certas passagens foram suavizadas, outras aprofundadas.
No entanto, a essência foi mantida: a carta da filha para a mãe, o momento da decisão final, o "basta" que dá nome ao título. Tudo isso permanece e impacta com a mesma força da obra literária.
É Assim Que Acaba: quando termina, é para recomeçar
É Assim Que Acaba é um filme que incomoda, que provoca e que emociona. Ele não oferece finais perfeitos, mas oferece redenção. Lily Bloom é uma heroína comum, uma mulher que escolhe interromper o ciclo, mesmo quando isso significa abrir mão de um amor que não a respeita.
Com atuações potentes, direção sensível e uma história que precisa ser contada, o filme é mais do que uma adaptação: é um manifesto silencioso sobre o poder de dizer "chega". Para muitas mulheres, esse pode ser o empurrão que faltava. Para outros, talvez, uma lição sobre o que não é amor.
Nota final: ⭐⭐⭐⭐½ (4,5/5)
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