[CRÍTICA] A Verdadeira Dor: uma jornada de autodescoberta e conexão familiar
- Manu Cárvalho
- 30 de jan.
- 4 min de leitura
LUZ, CÂMERA, CRÍTICA! — Por Manu Cárvalho
Nota: ★★★★½

O que significa realmente conhecer a própria história? O que acontece quando um simples gesto de homenagem se transforma em um abismo de reflexões e sentimentos enterrados? A Verdadeira Dor, dirigido por Jesse Eisenberg, é um daqueles filmes que chegam sem alarde, mas que nos deixam completamente absorvidos. Mais do que uma história sobre identidade e memória, o filme se debruça sobre os laços familiares, os silêncios que ecoam por gerações e as formas inesperadas de cura.
A trama segue David (interpretado pelo próprio Eisenberg) e Benji (Kieran Culkin), primos que embarcam em uma viagem à Polônia para prestar homenagem à falecida avó, sobrevivente do Holocausto. O que começa como um roteiro previsível de reconciliação com o passado se revela uma experiência de confronto com traumas, ressentimentos e vínculos familiares repletos de complexidade. A verdadeira dor caminha entre a melancolia e o humor, proporcionando uma experiência cinematográfica que dialoga diretamente com o espectador.
Personagens complexos e atuações brilhantes
O grande trunfo de A verdadeira dor está no seu elenco e na forma como os personagens são construídos. David e Benji são opostos complementares. David, metódico e racional, busca compreender suas raízes como forma de se conectar consigo mesmo. Já Benji, com seu humor ácido e postura despreocupada, representa aqueles que fogem da dor com ironia e sarcasmo.
Eisenberg entrega uma performance sincera e discreta, funcionando como um condutor para a história. No entanto, é Kieran Culkin quem rouba a cena. Seu Benji poderia facilmente cair no estereótipo do rebelde inconsequente, mas Culkin lhe dá camadas que revelam uma dor latente. Ele usa o humor como escudo, mas há momentos em que seus olhos traem essa fachada, mostrando um homem perdido em sua própria turbulência emocional. Seu desempenho equilibra de maneira sublime o sarcasmo e a vulnerabilidade, sendo um dos pontos altos do filme.
Outro ponto de destaque é a relação dos primos. A química entre Eisenberg e Culkin torna as discussões e os momentos de afeto ainda mais realistas. Há tensão e carinho em igual medida, criando um retrato honesto da dinâmica familiar onde amor e ressentimento andam de mãos dadas. Os diálogos, por vezes ácidos, carregam um realismo impressionante, fazendo com que o público se identifique com as trocas de palavras ditas no calor da emoção.

A direção sensível de Jesse Eisenberg
Eisenberg, em seu segundo longa-metragem como diretor, mostra maturidade e sensibilidade ao abordar temas delicados. Ele equilibra habilmente o humor e o drama, evitando cair em exageros melodramáticos. Em nenhum momento o filme força o espectador a sentir algo; em vez disso, nos convida a testemunhar e absorver as emoções à medida que surgem. A escolha do tom intimista faz com que cada cena soe autêntica, sem a necessidade de grandes discursos ou momentos exageradamente sentimentais.
A cinematografia reflete esse tom intimista. A câmera se mantém próxima dos personagens, capturando suas expressões em detalhes, permitindo que o público se conecte com cada nuance de dor, hesitação e afeto. A fotografia utiliza tons frios e opacos durante a viagem à Polônia, contrastando com momentos mais quentes e nostálgicos quando os personagens relembram o passado.
Outro acerto da direção é a maneira como o filme lida com o Holocausto sem recorrer a flashbacks óbvios ou cenas de violência explícita. A tragédia está presente nos olhares, nas pausas, nas frases interrompidas. O peso da história se faz sentir não pelo que é mostrado, mas pelo que é sugerido. Ao invés de trazer a narrativa para a grandiosidade dos eventos históricos, Eisenberg foca no impacto pessoal e íntimo da herança desse passado.

A trilha sonora como elemento narrativo em A Verdadeira Dor
Poucos filmes conseguem usar a música como ferramenta narrativa sem que ela se torne intrusiva, mas A verdadeira dor acerta nesse aspecto. A trilha sonora, composta por melodias sutis de piano e cordas, acompanha os momentos mais introspectivos, funcionando quase como um reflexo da psique dos personagens.
O silêncio também é uma escolha poderosa. Algumas das cenas mais impactantes acontecem sem trilha sonora, deixando que o peso da história e dos diálogos respire sozinho. Esse uso econômico da música reforça a autenticidade emocional da narrativa. Quando a música surge, ela não apenas complementa, mas amplia a experiência sensorial do espectador.
Recepção crítica e impacto cultural
Desde sua estreia no Festival de Sundance, A verdadeira dor tem sido amplamente elogiado por sua abordagem sensível e performances marcantes. O filme foi adquirido pela Searchlight Pictures por 10 milhões de dólares, destacando-se como uma das principais aquisições do festival.
No Brasil, a produção chegou aos cinemas em janeiro de 2025 e rapidamente conquistou um público que se identificou com a temática da busca por identidade e pertencimento. A recepção tem sido calorosa, tanto pela crítica quanto pelo público, que vê na obra uma representação genuína das dores familiares e dos traumas históricos que atravessam gerações.
Críticos internacionais também destacaram a atuação de Kieran Culkin como um dos melhores desempenhos do ano, com indicações ao Globo de Ouro e ao Oscar sendo fortemente cotadas. Enquanto alguns espectadores sentiram que a abordagem minimalista poderia ter se aprofundado mais em certos aspectos do passado dos personagens, a maioria concorda que a força do filme reside justamente em sua sutileza.

Uma reflexão sobre identidade e memória
A verdadeira dor não é um filme que oferece respostas fáceis. Ele exige que o espectador se permita sentir, revisitar suas próprias dores e questionar a forma como lidamos com nosso passado. O longa nos lembra que carregar uma herança familiar não significa apenas celebrar suas conquistas, mas também confrontar suas sombras.
Com uma direção precisa, atuações impecáveis e uma história que ressoa de maneira profunda, Jesse Eisenberg entrega um filme que nos acompanha muito além dos créditos finais. A verdadeira dor é, acima de tudo, um lembrete de que só podemos seguir em frente quando temos coragem de olhar para trás.
Para aqueles que buscam um drama envolvente, que equilibra emoção e humor de forma natural, A verdadeira dor se revela uma experiência cinematográfica que vale a pena ser vivida. É um filme que respeita a inteligência e a sensibilidade do espectador, entregando uma narrativa que se desenrola sem pressa, mas que nos toca de maneira irreversível.
Commentaires