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[CRÍTICA] Do Sul, a Vingança: uma odisseia fronteiriça entre o cômico e o caótico

  • Foto do escritor: Manu Cárvalho
    Manu Cárvalho
  • 13 de mai.
  • 3 min de leitura

LUZ, CÂMERA, CRÍTICA! — Por Manu Cárvalho


Do Sul, a Vingança
Pôster de 'Do Sul, a Vingança' - Divulgação

Com direção de Fábio Flecha e produção independente, “Do Sul, a Vingança” encontra no caos das fronteiras latino-americanas o pano de fundo ideal para uma narrativa que mescla comédia, ação e crítica social em igual medida. O resultado é um longa que, apesar de seus excessos e algumas limitações técnicas, oferece frescor ao cinema brasileiro ao abraçar um estilo ousadamente regional e autoral.


A premissa gira em torno de Lauriano, um escritor que parte em busca de inspiração para seu novo livro. Ele se instala na tríplice fronteira entre Mato Grosso do Sul, Paraguai e Bolívia — território já conhecido por sua complexa teia de crimes transnacionais, corrupção institucionalizada e cultura própria. A intenção inicial é entrevistar um tal “Jacaré”, personagem misterioso e temido localmente. Mas a jornada rapidamente se desvia do objetivo e toma contornos imprevisíveis, alternando entre o suspense e a sátira com desenvoltura.


Do Sul, a Vingança
Foto: reprodução/ TZM Entretenimento/ Kolbe Arte

A trama se estrutura como um falso thriller investigativo, mas revela-se, logo nos primeiros atos, uma narrativa mais próxima da farsa. Nesse sentido, o filme se apropria do grotesco e do absurdo para construir figuras arquetípicas: o jagunço filósofo, o político miliciano, o pistoleiro místico. A comédia emerge do exagero, mas nunca descola por completo da crítica sociopolítica. Em vários momentos, a caricatura aponta para uma verdade incômoda: há algo de profundamente realista na fantasia da fronteira.


A atuação de Felipe Lourenço como Lauriano é contida e funcional. Seu personagem, o forasteiro que observa, funciona como espelho para o espectador, especialmente o urbano, que tende a enxergar o interior como uma terra exótica. Já Espedito Di Montebranco entrega uma presença magnética como o Jacaré, combinando brutalidade e misticismo em um papel que poderia facilmente escorregar no clichê, mas que ele interpreta com carisma incomum.


Do Sul, a Vingança
Foto: reprodução/ TZM Entretenimento/ Kolbe Arte

A fotografia se destaca ao retratar a vastidão silenciosa do interior sul-mato-grossense sem recorrer à estética de cartão-postal. O uso da luz natural, especialmente no fim da tarde, ajuda a reforçar a sensação de abandono e esquecimento. É uma fronteira não só física, mas moral e narrativa. O filme sabe explorar esse limbo com competência visual.


Tecnicamente, há momentos em que o orçamento enxuto (R$ 397 mil) se faz notar. Algumas sequências de ação são resolvidas com cortes secos, e a mixagem de som poderia ter sido mais cuidadosa em passagens de diálogo com fundo musical. No entanto, esses deslizes são compensados por um roteiro engenhoso que evita soluções fáceis e constrói personagens verossímeis dentro de seu exagero estilístico.


Do Sul, a Vingança
Foto: reprodução/ TZM Entretenimento/ Kolbe Arte

“Do Sul, a Vingança” não é um filme que busca agradar a todos. Ele aposta numa linguagem própria, um ritmo muitas vezes cadenciado, com diálogos que prezam mais pelo estilo do que pela eficiência narrativa. Mas é justamente nesse desvio das fórmulas que ele encontra sua força. A referência ao faroeste moderno é clara, mas com tempero local — há algo de Tarantino no uso da violência e algo de Glauber Rocha na anarquia do discurso.


O longa foi reconhecido internacionalmente ao ser finalista no World Film Festival, em Cannes, e premiado como Melhor Longa Indie no Los Angeles Film Awards. São conquistas significativas para uma produção regional que não abre mão de sua identidade. Ao contrário, faz dela sua principal bandeira.


É importante destacar que, apesar da comicidade, o filme não negligencia o peso da realidade que representa. A violência na fronteira não é estetizada nem amenizada. Ela é mostrada como parte do cotidiano, entre risos nervosos e tiros disparados. O humor, nesse caso, atua como ferramenta de crítica — um riso que denuncia mais do que alivia.


Do Sul, a Vingança
Foto: reprodução/ TZM Entretenimento/ Kolbe Arte

O roteiro acerta também ao incluir personagens femininas que fogem do estereótipo. A Dra. Lucia, interpretada por Luciana Kreutzer, se impõe em cena com autoridade sem cair na armadilha da “mulher durona” genérica. Sua presença contrasta com o ambiente masculino que domina a narrativa e acrescenta nuances bem-vindas ao conflito.


No fim das contas, “Do Sul, a Vingança” é mais do que um filme de ação regional. É um estudo sobre o Brasil que fica fora do mapa midiático. Um Brasil onde o Estado é quase uma lembrança, e onde os códigos de sobrevivência não passam pelas instituições oficiais, mas pelas alianças improvisadas, pelas dívidas impagáveis e pelos segredos enterrados no solo seco.


É um filme que diverte, mas que inquieta. Que se constrói no humor, mas que mergulha no abismo do absurdo nacional. Que dialoga com o cinema latino-americano sem perder o sotaque interiorano. E que, acima de tudo, respeita o público ao não subestimá-lo. "É Mato Grosso do Sul, porra!"


TRAILER:



⭐ NOTA: 4,0 de 5 estrelas

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