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[CRÍTICA] Emilia Pérez: um voo audacioso ou um tropeço desastroso?

Manu Cárvalho

LUZ, CÂMERA, CRÍTICA! — Por Manu Cárvalho Nota: ★½


Cartaz Emilia Pérez
(Foto: Reprodução/Paris filmes)

Desde que Emilia Pérez começou a circular nos festivais, a propaganda era clara: um filme "revolucionário" que misturava thriller policial e drama de identidade. Mas a verdade é que, ao tentar ser tudo ao mesmo tempo, o longa se afoga na própria pretensão. Jacques Audiard, um diretor francês renomado, quis brincar de narrar a dura realidade latino-americana e trans, mas esqueceu um detalhe essencial: profundidade.


A trama tem premissa, tem intenção, mas erra o alvo feio. O resultado é um filme que parece querer ser impactante, mas soa desconectado da realidade que pretende retratar. Audiard, com seu olhar de fora, transforma um enredo potente em um desfile de clichês e superficialidade, sem o respeito ou o comprometimento necessários.


Zoe Saldaña, em Emilia Pérez
(Foto: Reprodução/Paris filmes)

A atuação que (quase) salva o desastre

Se existe algo que impede Emilia Pérez de ser um desastre absoluto, é a atuação de Karla Sofía Gascón. Ela carrega o filme nas costas e faz milagres com um roteiro que mal permite que sua personagem tenha camadas reais. Sua Emilia é humana, sofrida, mas acaba presa a um enredo que não parece interessado em sua jornada interna, e sim em usá-la como uma espécie de "novidade exótica" para chocar o público cis.


Mesmo assim, Gascón brilha. Sua presença traz alguma credibilidade ao filme, mas não o suficiente para salvar a bagunça geral. O roteiro parece um esboço de boas intenções que se perderam em algum lugar entre a sala de roteiristas e o set de filmagem.


Zoe Saldaña, por outro lado, entrega uma atuação digna e emocionalmente envolvente. Sua presença forte e expressiva dá ao filme alguns dos momentos mais genuínos. Com um olhar que transmite um misto de dor e força, ela carrega algumas cenas que poderiam ter sido completamente banais e as transforma em pontos de respiro dramático.


Selena Gomez, porém, entrega uma atuação morna. Apesar de seu carisma natural, sua personagem nunca parece completamente integrada à história, deixando a sensação de que está apenas passando pelo filme sem grande impacto. Gomez tem talento, mas aqui parece limitada por um roteiro que não lhe oferece muito a fazer, além de aparecer e desaparecer sem muita relevância.


Sofia Gascon , em Emilia Pérez
(Foto: Reprodução/Paris filmes)

Representatividade de vitrine e o casting questionável

Emilia Pérez não é um filme feito para trans ou para latinos. É um filme feito por europeus para o olhar europeu sobre essas questões. O México, por exemplo, é reduzido a um cartão-postal estilizado, com personagens que são quase caricaturas ambulantes. A história de uma mulher trans é explorada de maneira sensacionalista, sem a densidade emocional necessária.


A escolha do elenco também levanta questionamentos. O filme se passa no México, mas grande parte do elenco não é mexicano. Em tempos onde a inclusão está no centro do debate cinematográfico, é decepcionante ver um filme que fala sobre uma cultura sem incluir seus verdadeiros representantes.


A trilha sonora: quando a intenção não é suficiente

Se há um aspecto que poderia elevar a experiência, esse seria a música. No entanto, o filme opta por um uso excessivo de músicas faladas que tentam ditar emoções em vez de permitir que a narrativa as construa organicamente. O efeito acaba sendo artificial e cansativo. Há momentos em que a escolha musical parece forçada, quase como se o diretor temesse que o público não compreendesse a cena sem uma trilha excessivamente explicativa.


Selena Gomez, em Emilia Pérez
(Foto: Reprodução/Paris filmes)

As polêmicas não param por aí

Não é apenas na tela que Emilia Pérez coleciona controvérsias. Fora dela, o filme também se viu envolvido em debates acalorados. Karla Sofía Gascón precisou se explicar após a descoberta de tweets antigos problemáticos, e Audiard foi criticado por sua abordagem superficial da cultura mexicana.


O próprio diretor jogou lenha na fogueira ao admitir que não fez pesquisas aprofundadas antes de filmar. Sim, um diretor europeu decidiu contar uma história sobre um país e uma cultura com os quais ele pouco se preocupou em se familiarizar. O resultado? Um filme que se contenta com estéticas e estereótipos sem jamais mergulhar nas camadas mais profundas do que realmente significa ser uma pessoa trans ou viver no contexto mexicano representado.


Karla Sofía Gascón e Jacques Audiard
Karla Sofía Gascón e Jacques Audiard promovem 'Emilia Pérez' no Brasil - (Foto: reprodução/Jovem PAN)

Conclusão: um equívoco cinematográfico

No fim, Emilia Pérez é um filme que se esforça para parecer importante, mas tropeça em cada esquina. Ele tenta se vender como inclusivo, mas apenas reforça estereótipos. Ele quer ser um retrato autêntico, mas carece de pesquisa e sensibilidade.


A fotografia pode ser bonita, o elenco pode ter talento, mas nada disso compensa o vazio narrativo e o descaso com as comunidades que pretende representar.


Se Emilia Pérez fosse uma redação de estudante, receberia aquela infame anotação do professor: "tem potencial, mas precisa revisar a estrutura e aprofundar o conteúdo". Infelizmente, no mundo real, não há como refazer a prova. O veredito final? Um desastre cinematográfico embalado como discurso progressista.


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