[CRÍTICA] Novocaine: À Prova de Dor: adrenalina com bom humor em uma trama pouco convencional
- Manu Cárvalho
- 28 de mar.
- 5 min de leitura
LUZ, CÂMERA, CRÍTICA! — Por Manu Cárvalho

Desde os primórdios do cinema, a dor sempre foi uma ferramenta dramática poderosa: ela humaniza heróis, dá profundidade a vilões e movimenta tramas inteiras. Mas e se o protagonista simplesmente não a sentisse? Novocaine: À Prova de Dor, dirigido pela dupla Dan Berk e Robert Olsen, parte exatamente dessa pergunta para construir um thriller de ação com uma pegada de comédia e emoção. Com Jack Quaid como protagonista, Amber Midthunder como a refém e Ray Nicholson como o antagonista, o longa estreia no Brasil em 27 de março de 2025, prometendo mais do que explosões e pancadaria. Ele entrega também vulnerabilidade, superação e uma boa dose de identidade.
Sinopse: o herói improvável e sua missão pessoal
Nathan "Nate" Caine (Jack Quaid) é gerente assistente de um banco e vive uma rotina mediana, até mesmo entediante. Porém, ele carrega uma condição rara e real chamada Insensibilidade Congênita à Dor (CIP), o que significa que ele não sente nenhuma dor física, independentemente da gravidade da lesão. Essa peculiaridade o protege de muitas coisas — exceto da própria insegurança.
Tudo muda quando sua colega e crush silenciosa, Sherry Margrave (Amber Midthunder), é sequestrada durante um violento assalto ao banco liderado pelo imprevisível Simon Greenly (Ray Nicholson). Sem a menor habilidade para o combate e com zero treinamento tático, Nate decide embarcar em uma missão de resgate onde sua única vantagem é justamente... não sentir dor. A premissa parece absurda — e é exatamente isso que a torna tão interessante.
A construção de um herói torto e adorável
Jack Quaid, já conhecido por papéis que transitam entre a comédia e o drama (The Boys, Scream), é a escolha perfeita para Nate. Ele não é um herói musculoso nem um gênio estrategista: é um cara comum com uma condição incomum. Quaid carrega o personagem com leveza e humanidade, fazendo com que o espectador torça por ele não só porque está em perigo, mas porque ele é genuinamente um bom sujeito tentando fazer a coisa certa.
Seu Nate tem algo de John McClane misturado com o desajeito de um personagem de Seth Rogen. Mas, diferente dos heróis de ação clássicos, Nate apanha — e muito. O diferencial é que ele não sente, mas o corpo cobra. O filme faz questão de mostrar os hematomas, fraturas e cortes acumulados ao longo da jornada. Isso dá uma camada física e visual à dor que ele não experimenta, mas que o espectador sente por ele.
Amber Midthunder: mais do que a donzela em perigo
No papel de Sherry Margrave, Amber Midthunder não aceita ser apenas a “refém”. Sua personagem, embora capturada, contribui de maneira ativa para o desenrolar da trama. Ela escapa, resiste, luta e influencia o próprio Nate com suas atitudes. Há uma cena particularmente impactante em que, mesmo amarrada, Sherry convence um dos captores a hesitar — não com força, mas com astúcia.
Midthunder entrega uma performance equilibrada, que evita o clichê da mulher frágil e explora bem as nuances de uma profissional inteligente que se vê envolvida em uma situação fora de controle. Sua química com Quaid também é eficiente, funcionando mais no nível da amizade e do respeito mútuo do que em uma tensão sexual gratuita — outro acerto do roteiro.

O vilão carismático e caótico de Ray Nicholson
Ray Nicholson, filho de Jack Nicholson, tem aqui um dos papéis mais expressivos de sua carreira. Como Simon Greenly, ele representa o oposto de Nate: impulsivo, emocional, sádico — mas também instável, quase infantil. Nicholson entrega um vilão carismático, perigoso e levemente cômico, o que funciona muito bem no tom híbrido do filme.
Greenly não é um criminoso calculista. Sua imprevisibilidade o torna mais assustador do que um antagonista cerebral. Há uma cena em que ele interage com uma criança em uma lanchonete no meio de uma fuga e alterna entre o humor e o terror em segundos. Isso reforça a imprevisibilidade do personagem, mantendo a tensão em alta.
A dupla direção de Berk e Olsen: ação e timing cômico bem equilibrados
Dan Berk e Robert Olsen já haviam mostrado talento para o suspense em Villains (2019), mas aqui revelam maturidade ao orquestrar uma história que transita entre gêneros com fluidez. As cenas de ação são bem coreografadas e editadas com precisão. Há uma perseguição de carro — feita por Nate com o pé quebrado e o carro repleto de sangue — que é tão absurda quanto hilária, e ainda assim funciona dentro da proposta do filme.
O roteiro de Lars Jacobson, embora não traga grandes reviravoltas, é eficiente e sabe onde quer chegar. Ele constrói um arco emocional para Nate que se completa de forma satisfatória. Do covarde inseguro do primeiro ato ao improvável herói que aprendeu a confiar em si no clímax, o protagonista nos leva por uma jornada de amadurecimento que, mesmo absurda, é genuína.
Dor, coragem e humanidade: as camadas por trás do riso e da ação
Apesar de ser, essencialmente, um filme de ação e comédia, Novocaine não ignora o impacto psicológico de viver sem dor. Há uma reflexão interessante sobre como essa condição, embora pareça uma superhabilidade, na verdade priva Nate de uma das sensações mais humanas — o alerta, o limite, o tato emocional com o mundo.
Essa ausência de dor física é metaforicamente contraposta com a dor emocional. Nate sente profundamente sua falta de propósito, sua solidão, sua vergonha de ser considerado “estranho”. A condição médica é, portanto, um símbolo de uma desconexão mais ampla — e o resgate de Sherry torna-se também um resgate de sua própria sensibilidade. Ao salvar alguém, ele também se salva.

Trilha sonora, ambientação e estilo visual
A trilha sonora alterna batidas eletrônicas com faixas indie-pop, dando ritmo e leveza à ação. A música funciona quase como uma narração emocional, intensificando os momentos de adrenalina sem se sobrepor ao som ambiente ou aos diálogos.
Visualmente, o filme aposta em uma paleta urbana e saturada — ruas iluminadas por néons, interiores de banco opressivos, galpões abandonados. A cinematografia de Mac Fisken captura bem tanto a claustrofobia dos momentos de cativeiro quanto a libertação das cenas ao ar livre. Um contraste proposital que marca a evolução da trama.
Recepção crítica e impacto no público
Com uma taxa de aprovação de 80% no Rotten Tomatoes e uma média de 60 no Metacritic, Novocaine tem sido bem recebido, embora não unânime. Críticos elogiaram especialmente a performance de Jack Quaid e a maneira como o roteiro subverte os clichês do gênero. Por outro lado, alguns apontaram que o filme poderia ter aprofundado melhor os vilões e evitado soluções narrativas apressadas no terceiro ato.
Para o público, o longa se tornou uma grata surpresa: um filme divertido, ágil, com ação satisfatória e personagens cativantes. Em tempos de franquias saturadas e sequências intermináveis, Novocaine se destaca por ser um filme original, com identidade própria.
Rir, se emocionar e torcer sem sentir dor
Novocaine: À Prova de Dor é um filme que entrega o que promete — e vai além. É uma comédia de ação com coração, uma história de superação disfarçada de aventura urbana. Jack Quaid prova que é capaz de liderar um longa com carisma e autenticidade. Amber Midthunder mostra sua força em um papel que foge do clichê. E Ray Nicholson injeta caos suficiente para manter tudo instável.
No final, aprendemos com Nate que não sentir dor pode parecer um dom, mas também é uma maldição — porque é através da dor que nos tornamos empáticos, humanos, vivos. E esse é o paradoxo que o filme, com leveza e inteligência, nos convida a contemplar.
Nota final: ⭐⭐⭐⭐½ (4,5/5)
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