[CRÍTICA] QUEBRANDO REGRAS (2025): UM DESPERTAR DO FUTURO PELO OLHAR DE QUATRO MENINAS
- Manu Cárvalho
- 24 de jun.
- 4 min de leitura
Atualizado: 25 de jun.
LUZ, CÂMERA, CRÍTICA! — Por Manu Cárvalho

“Quebrando Regras”, que estreia em 26 de junho com distribuição da Paris Filmes, baseia-se em uma história real poderosa: a da empreendedora afegã Roya Mahboob, que fundou uma startup para ensinar robótica a meninas em um país onde seus direitos básicos são frequentemente negados.
Desde os primeiros minutos, o filme apela ao que há de mais essencial no cinema: a capacidade de despertar empatia e reflexão. Sem heroísmos exagerados ou vilões carimbados, somos convidados a acompanhar — com reverência e emoção — o surgimento de um movimento que floresce sob vento contrário.
A força do longa está na sua coragem em destacar a educação como ato revolucionário. A cada aula ministrada por Roya (interpretada por Nikohl Boosheri), percebemos a magnitude de ensinar programação — para essas meninas, cada código riscado no papel representa mais do que lógica: significa sonho, liberdade e futuro. E é justamente no contraste entre o cotidiano árido e o brilho de cada circuito montado que “Quebrando Regras” encontra seu fôlego narrativo mais potente.
O elenco se equilibra com leveza entre profissionais e não profissionais. As jovens — entre elas Amber Afzali, Noorin Gulamgaus, Sara Malal Rowe — entregam interpretações sinceras, sem afetações. Não há caricaturas, apenas rostos e comportamentos que ecoam a verdade de meninas aprendendo a superar limites. Já Ali Fazal e Phoebe Waller‑Bridge aparecem como apoio emocional, complementando sem roubar a cena. Ali é o mentor afável; Phoebe, uma presença pontual, mas eficaz.

O trabalho de Bill Guttentag na direção é notável. Reconhecido por documentários intimistas e sociais, ele traz para o longa um ritmo controlado: há tensão em cada plano e cada gesto tem peso. As oficinas de robótica são captadas com sensibilidade — a câmera filma mãos montando peças, olhos atentos diante de uma solda, respirações contidas diante do erro. É cinema de precisão, onde cada silvo de soldador importa.
Tecnicamente, o filme acerta em cheio. A fotografia utiliza luz natural e ambientes reais, e nunca se esconde atrás de artifícios. A trilha sonora, que mistura sons locais e sutis inserções eletrônicas, acompanha a narrativa sem invadir. De fato, o silêncio e a contemplação são partes do poder deste filme: em vez de discursos inflamados, a história fala com o concreto — sobram atos, faltam palavras.
Se, por um lado, essa abordagem empodera o filme, por outro expõe suas limitações. Algumas personagens adultas — inclusive membros da família das meninas — surgem como arquétipos e não se aprofundam. O roteiro também evita explorar conflitos mais intensos: sabemos que Roya e seu grupo enfrentaram preconceito e violência real, mas o filme prefere focar nas conquistas e ignora momentos dramáticos que poderiam trazer mais densidade emocional.
Este equilíbrio entre denúncia e inspiração é ao mesmo tempo virtude e limitação. O longa provoca emoções verdadeiras, mas poderia ousar mais em mostrar as contradições familiares, o medo latente frente a ameaças políticas, a luta íntima das próprias meninas ao desafiarem normas sociais. Em vez disso, há um ritmo narrativo que privilegia a esperança — e isso é bonito, mas nem sempre suficiente para uma obra que se apresenta como emocionante e transformadora.

Ainda assim, nos momentos altos — como a primeira soldagem bem-sucedida, o discurso contido de uma menina incapaz de visitar uma competição internacional ou os rostos iluminados pela luz das telas — o filme acerta de forma transparente. Cumpre seu propósito de inspirar, mas também nos convida a pensar: quantas outras histórias como esta se perdem por falta de visibilidade? Quantas meninas continuam caladas e invisíveis?
“Quebrando Regras” é um filme sobre escolhas simples que têm efeitos extraordinários. Ensinar robótica para um grupo de meninas no Afeganistão se torna um gesto político, cultural e simbólico. Mas, ao mesmo tempo, é uma história familiar: há famílias, medo, frustrações, orgulho contido. Essa combinação rende cenas humanas, muitas vezes comoventes, onde o espectador se reconhece — ainda que à distância geográfica — no medo de permitir que quem ama se arrisque.
O ponto alto do longa não é a competição de robótica em si, mas a organização que surge ao redor dela: meninas que aprendem a conversar, a operar em equipe, a questionar. Esses gestos coletivos — sem alarde, sem festa, sem discursos — ativam uma revolução silenciosa que entra em cena e permanece mesmo depois dos créditos.

A estreia da Paris Filmes pode marcar o início de um novo padrão no cinema nacional de jornada — profundas estreias com significância internacional. Se “Quebrando Regras” tivesse mais coragem para explorar os limites das próprias protagonistas, poderia alcançar um patamar mais alto. Ainda assim, o que o filme oferece é uma ponte entre espectador e realidade, entre expectativa e tensão.
Por fim, “Quebrando Regras” ensina que, para mudar o mundo, precisamos de coragem e persistência. E de um fio de esperança firme, mesmo diante do risco. Este filme não apenas inspira. Ele mostra uma faísca real, nascida de cérebros e mãos que aprenderam a abrir caminho no escuro.
TRAILER:
Nota final: ⭐⭐⭐⭐☆ (4/5)
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