[CRÍTICA] Thunderbolts (2025) mostra que até os quebrados podem salvar o mundo – e nos emociona ao fazer isso
- Manu Cárvalho
- 30 de abr.
- 4 min de leitura
LUZ, CÂMERA, CRÍTICA! — Por Manu Cárvalho

Thunderbolts, o mais recente capítulo do Universo Cinematográfico da Marvel (MCU), chegou aos cinemas brasileiros em 1º de maio de 2025 prometendo mais do que apenas a ação de sempre. Dirigido por Jake Schreier, o longa vem com a ambição de reunir personagens complexos, marcados por escolhas duvidosas e passados turbulentos, num filme que mistura espionagem, redenção, traíção e um toque agridoce de humanidade.
Em um universo onde heróis costumam ser idealizados e vilões muitas vezes descartados após servirem seus propósitos, Thunderbolts se apresenta como um contraponto narrativo e emocionalmente mais denso. O elenco, formado por Florence Pugh (Yelena Belova), Sebastian Stan (Bucky Barnes), David Harbour (Alexei Shostakov), Wyatt Russell (John Walker), Hannah John-Kamen (Fantasma), Olga Kurylenko (Treinadora), Lewis Pullman (Bob/Sentinela) e Julia Louis-Dreyfus (Valentina Allegra de Fontaine), entrega performances que oscilam entre o cínico e o comovente. Cada personagem carrega suas cicatrizes não apenas fisicamente, mas emocionalmente — e o filme se dedica, em boa parte, a explorar essas feridas.

É curioso como a narrativa de Thunderbolts se recusa a se render à velocidade típica de blockbusters. Ao contrário, Schreier opta por uma construção mais cadenciada, permitindo que o espectador respire e, mais importante, reflita. Desde os primeiros minutos, somos levados a uma instalação secreta, onde o grupo é reunido sob um pretexto que logo se revela falso. A diretora da CIA, Valentina, arma uma cilada para que os anti-heróis sejam eliminados e, com eles, desapareçam provas de operações clandestinas conduzidas pelo governo.
Essa traição serve como catalisador para a formação não apenas do grupo, mas de uma nova identidade coletiva. Aqui, os Thunderbolts não nascem como uma equipe coesa. Eles são sobreviventes. Pedaços quebrados de um tabuleiro moral onde preto e branco não existem mais.
Yelena Belova, vivida com intensidade e sutileza por Florence Pugh, continua sendo o coração do filme. Sua interpretação traz uma vulnerabilidade que contrasta com a firmeza de uma assassina treinada desde a infância. A forma como ela encara a traição de Valentina não é apenas uma reação de sobrevivência, mas uma redescoberta de seus próprios limites e da força de suas convicções.

Ao seu lado, Bucky Barnes (Stan) oferece uma atuação contida, mas não menos poderosa. Sua presença lembra que o peso do passado não se desfaz com um estalar de dedos. Bucky não é apenas o Soldado Invernal reformado, mas um homem em constante batalha interna, buscando redenção em meio ao caos.
David Harbour traz carisma e humor como Alexei Shostakov, o Guardião Vermelho. Ainda que seu papel funcione como alívio cômico em vários momentos, há também uma dor latente em seu desempenho. Alexei é um herói de uma era passada, tentando encontrar relevância em um mundo que já não precisa mais dele. O riso que ele provoca frequentemente vem acompanhado de um suspiro melancólico, como se o personagem soubesse que já passou da hora de deixar o palco, mas se recusa a sair sem lutar.
A presença de Fantasma (John-Kamen) e Treinadora (Kurylenko) reforça o aspecto mais sombrio do grupo. Ambas as personagens são marcadas por traumas profundos e silências pesados. Em vez de grandes discursos, elas se expressam com olhares e gestos contidos. Isso é algo que Thunderbolts faz bem: confiar no poder da linguagem corporal e nas pausas incômodas para comunicar mais do que o diálogo permitiria.

Lewis Pullman surge como a grande surpresa do filme. Seu personagem, Bob, também conhecido como Sentinela (ou Vácuo), é apresentado como um homem com amnésia, mas aos poucos vamos entendendo a magnitude do que ele representa. Há uma tensão crescente em torno de sua verdadeira identidade, e a forma como isso se desenvolve lembra muito mais um thriller psicológico do que um filme de super-heróis convencional.
Pullman oferece um desempenho vulnerável, intenso e, à medida que sua memória retorna, quase apocalíptico. Ele é uma força da natureza escondida sob a pele de um homem comum.
Ao adotar o nome "Thunderbolts" — inspirado pelo time de futebol favorito de Yelena —, o grupo se reinventa. Eles não são mais peças descartáveis. São um coletivo que decide, contra todas as probabilidades, agir por conta própria. Há algo profundamente humano nesse gesto: a necessidade de significado, de pertencimento, de escolher seu próprio destino. Mesmo quando tudo aponta para a destruição, a resistência se torna um ato de coragem.
Schreier acerta ao imprimir um ritmo menos frenético e mais introspectivo. Não se trata de uma explosão de efeitos visuais ou batalhas coreografadas ao extremo — embora o clímax entregue ação na medida certa. O foco está nos conflitos internos. Na forma como cada um lida com a culpa, o remorso, o desejo de redenção e a esperança frágil que insiste em sobreviver.

O roteiro, ainda que tropece em alguns clichês, compensa com diálogos bem construídos e momentos de silêncio cheios de significado. A fotografia é outro destaque. Com tons frios e composições que remetem a thrillers de espionagem, o visual do filme reforça o clima de paranoia e vulnerabilidade. A trilha sonora, por sua vez, é minimalista e pontual, deixando espaço para que os silências falem mais alto.
Julia Louis-Dreyfus como Valentina Allegra de Fontaine entrega uma atuação fria e calculista, que destoa propositalmente da leveza que já trouxe em outras obras. Sua personagem é o fio condutor de uma trama de manipulações e interesses escusos. Ela é a personificação do sistema que cria e descarta "heróis" conforme a conveniência.

No fim, Thunderbolts se destaca não por tentar reinventar o gênero, mas por humanizá-lo. Em tempos onde o cínico se tornou comum, o filme opta por uma abordagem mais sincera, que convida o espectador a olhar além das capas e dos poderes. Aqui, o heroísmo não está em salvar o mundo, mas em não desistir de si mesmo, mesmo quando o mundo te vira as costas.
Thunderbolts é um lembrete de que somos todos feitos de falhas e escolhas. E que, por vezes, o caminho da redenção não é uma estrada reta, mas sim um labirinto de dor, coragem e autoconhecimento.
⭐ NOTA: 4,5 de 5 estrelas
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