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[CRÍTICA] MARÉ ALTA (HIGH TIDE): um filme intimista que naufraga entre poesia e previsibilidade

  • Foto do escritor: Manu Cárvalho
    Manu Cárvalho
  • 22 de mar.
  • 5 min de leitura

LUZ, CÂMERA, CRÍTICA! — Por Manu Cárvalho

Lourenço (Marco Pigossi) é um imigrante brasileiro nos Estados Unidos que vive em Provincetown, Massachusetts, após ser abandonado pelo namorado americano.
Lourenço (Marco Pigossi) é um imigrante brasileiro nos Estados Unidos que vive em Provincetown, Massachusetts, após ser abandonado pelo namorado americano. (Foto: Reprodução / Rolling Stone)

No delicado cruzamento entre o desejo de pertencimento e a fragilidade do afeto, nasce “Maré Alta” (High Tide), drama escrito e dirigido por Marco Calvani, e protagonizado por seu parceiro na vida real, Marco Pigossi. Ambientado na isolada e simbólica Provincetown, o longa tem todas as intenções de emocionar — e, em muitos momentos, consegue. Mas no esforço de entregar uma obra contemplativa e sensível, acaba se perdendo em uma estética excessivamente polida e diálogos que, por vezes, soam artificiais.


Ainda assim, há valor no que “Maré Alta” propõe: um retrato honesto (e raro) sobre como ser estrangeiro, gay e emocionalmente fragmentado pode criar tempestades internas silenciosas, das quais pouco se fala no cinema contemporâneo. O filme levanta questões importantes, ainda que nem sempre encontre profundidade nas respostas que oferece.


Sinopse: entre marés emocionais e vazios migratórios

Lourenço (Marco Pigossi) é um imigrante brasileiro nos Estados Unidos que vive em Provincetown, Massachusetts, após ser abandonado pelo namorado americano. Trabalha como faxineiro para turistas, mora com um senhor mais velho que lhe oferece abrigo (Bill Irwin, delicado e cativante), e vive às sombras da iminente expiração de seu visto.


Sua vida muda com a chegada de Maurice (James Bland), um enfermeiro em férias, com quem constrói um relacionamento carregado de ternura e dúvida. A narrativa propõe um mergulho no coração de um homem que nunca se sentiu em casa — nem no Brasil, nem na América, nem no próprio corpo.


A direção de Calvani: estética sensível, mas emocionalmente desigual

Marco Calvani estreia como diretor de longas com um projeto claramente pessoal. Seu olhar sobre Lourenço e a paisagem costeira de Provincetown é lírico, por vezes comovente. A fotografia é banhada por luz natural, há uma fluidez entre planos abertos e íntimos, e a trilha sonora aposta na discrição — um acerto, considerando o teor melancólico da proposta.


Entretanto, há momentos em que a direção se mostra indecisa entre o cinema contemplativo e o melodrama romântico. A montagem é, por vezes, arrastada. As cenas de maior tensão se diluem em longos silêncios ou cortes abruptos, dificultando que o espectador mergulhe de verdade na psique do protagonista.


É nítido o esforço de Calvani em não ser panfletário, e isso é admirável. Mas ao evitar qualquer excesso, o filme se aproxima de um distanciamento emocional que o enfraquece. O que deveria ser intimista se torna, por vezes, simplesmente opaco.

Maré Alta é uma obra que merece atenção por aquilo que representa — e também por aquilo que tenta ser.
Maré Alta é uma obra que merece atenção por aquilo que representa — e também por aquilo que tenta ser.(Foto: Reprodução / Revista Máxima)

Marco Pigossi: um protagonista vulnerável, mas sem complexidade dramática

Marco Pigossi é o centro do filme e demonstra entrega física e emocional ao papel. Seu Lourenço é um homem retraído, que vive com o corpo curvado e os olhos baixos, como quem carrega mais peso do que consegue expressar. Há honestidade em sua atuação, especialmente nas cenas em que o silêncio comunica mais do que as palavras.


Entretanto, Pigossi luta contra um roteiro que oferece poucas camadas ao seu personagem. Sabemos que Lourenço fugiu do Brasil e de uma família religiosa. Sabemos que busca amor e estabilidade. Mas quem ele é além disso? O filme não investe tempo suficiente para complexificar seu passado ou seu presente. Falta conflito interno verdadeiro, algo que o atue por dentro.


Sua química com James Bland é suave, mas carece de intensidade. As cenas de afeto e desejo soam bem coreografadas, mas não arrebatam. Em um filme que se propõe a falar de intimidade, isso se torna um problema estrutural.


James Bland e Bill Irwin: o suporte emocional da narrativa

Se Pigossi oferece vulnerabilidade, é James Bland quem injeta carisma e naturalidade na história. Seu Maurice é afetuoso, divertido, e tem mais presença emocional do que o protagonista. Mas é limitado por um roteiro que o mantém como catalisador da mudança de Lourenço — sem nunca permitir que ele próprio tenha um arco real.


Bill Irwin, como o companheiro de apartamento de Lourenço, oferece os momentos mais tocantes do filme. Sua ternura, seu senso de humor e seu olhar generoso trazem humanidade à narrativa. É uma pena que ele desapareça na segunda metade do longa, justamente quando a história mais precisava de âncoras emocionais.

Essa representatividade, mesmo que parcial, tem valor
Essa representatividade, mesmo que parcial, tem valor (Foto: Reprodução / Caderno Pop)

Roteiro: quando o subtexto não sustenta o silêncio

O roteiro de Maré Alta tenta ser minimalista, mas acaba sendo evasivo. Há bons momentos — como uma sequência na praia, em que Maurice e Lourenço compartilham memórias em silêncio. Ou uma cena delicada de cuidado, em que um cuida do outro com os gestos de quem já entendeu que amar é estar presente. Mas esses lampejos são esparsos.


Boa parte dos diálogos soa ensaiada, como se os personagens tivessem decorado suas falas para uma peça de teatro existencialista. Faltam rupturas, impulsos, falhas humanas. O filme aposta no não dito, mas se esquece de criar subtextos ricos o suficiente para que o silêncio tenha peso.


Além disso, o arco dramático de Lourenço — a passagem da angústia à redenção — se dá de forma súbita e pouco convincente. Não há um ponto de virada emocional nítido.

Quando ele muda, o espectador sente mais alívio narrativo do que emoção.


Representatividade com leveza, mas sem profundidade crítica

É importante reconhecer que Maré Alta oferece uma história rara no cinema: um protagonista gay latino imigrante, em um romance delicado com um homem negro norte-americano. Essa representatividade, mesmo que parcial, tem valor. O filme se recusa a sexualizar corpos ou transformar personagens LGBTQIA+ em símbolos de sofrimento constante. Isso é louvável.


No entanto, a proposta de diversidade esbarra na superficialidade dos dilemas. O filme não se aprofunda nas diferenças culturais entre Lourenço e Maurice. Não aborda com densidade as tensões raciais, sociais ou mesmo políticas que atravessam essa relação. As questões migratórias são mencionadas, mas não exploradas em sua dureza.


Ao evitar o confronto, o filme se mantém em uma zona de conforto estética. E isso compromete sua potência.

Bill Irwin, como o companheiro de apartamento de Lourenço, oferece os momentos mais tocantes do filme.
Bill Irwin, como o companheiro de apartamento de Lourenço, oferece os momentos mais tocantes do filme. (Foto: Reprodução / Hoje no cinema)

Trilha e fotografia: poesia visual em uma narrativa que pede mais impacto

A estética de Maré Alta é um de seus grandes trunfos. A fotografia de Diana Matos faz belíssimo uso da luz natural — em especial nas cenas ao entardecer e ao amanhecer. Há uma melancolia marítima que combina perfeitamente com o estado emocional de Lourenço.


A trilha sonora é sutil, pontuada por canções suaves que reforçam a ideia de contemplação e recolhimento. Mas em alguns momentos, o excesso de delicadeza compromete a força dramática. Quando o mar emocional de Lourenço deveria estar em tempestade, a música ainda soa como maré baixa.


Maré Alta (High Tide): Um filme importante, mas não inesquecível

Maré Alta é uma obra que merece atenção por aquilo que representa — e também por aquilo que tenta ser. Há honestidade no projeto. Há beleza na forma. Há desejo de dizer algo importante. Mas há também uma timidez narrativa que impede o filme de ser realmente transformador.


Ao final da sessão, o espectador se sente tocado — mas não atravessado. O coração se aquece, mas não explode. Em um cinema que clama por vozes autorais que desafiem estruturas e provoquem emoções genuínas, Maré Alta ainda navega em águas seguras.


Nota final: ⭐⭐⭐ (3/5)

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