[CRÍTICA] SEX (2025): quando o desejo desvia da norma, a verdade pode começar a aparecer
- Manu Cárvalho
- 7 de abr.
- 5 min de leitura
LUZ, CÂMERA, CRÍTICA! — Por Manu Cárvalho

“Sex” é um filme que não grita. Ele sussurra, com voz serena e contida, questionamentos que muitos jamais ousaram verbalizar. É um longa sobre intimidade, mas não apenas no sentido físico. É sobre o que não se diz, sobre o que se reprime, sobre o que se disfarça para se encaixar. É sobre homens — sim, homens — tentando entender seus próprios limites emocionais, sexuais e sociais em um mundo que os treinou desde cedo para “não sentir”.
Com direção e roteiro do norueguês Dag Johan Haugerud, já conhecido por obras sensíveis e ousadas, Sex é o primeiro capítulo da trilogia “Sex, Dreams, Love”, seguida por Dreams e Love — uma tentativa sutil de esmiuçar o espectro afetivo e psíquico de personagens atravessados por uma Europa moderna, progressista, mas ainda cheia de silêncios.
Sinopse: dois homens, duas vidas aparentemente normais, dois abalos internos
A trama acompanha dois colegas de trabalho na meia-idade, ambos casados com mulheres, ambos vivendo aquilo que se costuma chamar de uma “vida estável”. Mas algo muda. Um deles tem uma experiência sexual com outro homem e, de forma quase impassível, tenta entender o que aquilo significa — ou se significa algo. Ele não se vê como homossexual. Tampouco acredita que tenha traído sua esposa. Mas aquilo o provoca.
O outro, por sua vez, começa a ter sonhos recorrentes em que aparece como mulher. E isso o deixa desconcertado. Não necessariamente por vergonha, mas por confusão. Seria ele, de alguma forma, transgênero? Seria apenas uma fantasia? Ou seria uma maneira inconsciente de escapar de uma vida que já não lhe cabe?
Esses dois núcleos — que nunca se cruzam diretamente — servem como espelhos narrativos de uma mesma pergunta: quem somos quando ninguém está olhando?
Dag Johan Haugerud e a direção que nos guia pela introspecção masculina
Haugerud já provou, em filmes anteriores como Beware of Children, que é mestre em explorar os dilemas internos de seus personagens sem recorrer a grandes eventos ou artifícios dramáticos. Em Sex, ele leva essa abordagem ao extremo. O filme é essencialmente feito de conversas, silêncios, observações — pequenos detalhes que, aos poucos, constroem o universo emocional de seus protagonistas.
É uma escolha estética e narrativa ousada. Num tempo em que filmes sobre sexualidade costumam apostar em erotismo explícito ou rebeldia visual, Haugerud faz o oposto: ele opta pela contenção. Tudo é sugerido, e a ausência de respostas definitivas é o que move o espectador.

Jan Gunnar Røise e Thorbjørn Harr: performances que vivem no intervalo entre o desejo e a dúvida
O elenco de Sex é um dos pontos altos da experiência. Jan Gunnar Røise, como o homem que vive o encontro homoerótico, traz para o papel uma sutileza desconcertante. Seu personagem é frio, mas não insensível. Ele reflete, racionaliza, hesita. E nessa hesitação está o grande drama. A forma como ele evita encarar o que sente revela mais sobre sua identidade do que qualquer ato explícito.
Já Thorbjørn Harr, no papel do homem que sonha ser mulher, entrega uma performance igualmente delicada. Seus olhos carregam perguntas que nunca viram palavras. E a forma como ele passa a observar seu corpo, seus gestos, suas roupas — tudo isso sem verbalizar nenhuma conclusão — é profundamente tocante.
Ambos os atores trabalham com camadas mínimas, deixando que o espectador monte o quebra-cabeça das emoções não-ditas.
Uma Noruega cinza, silenciosa e interiorizada: cenário e identidade como espelho
A fotografia de Sex é, como o próprio filme, minimalista. Os planos são longos, os movimentos de câmera são discretos e os ambientes são funcionais. A Noruega que aparece aqui não é feita de paisagens deslumbrantes ou nevascas poéticas. É uma Noruega cotidiana, feita de corredores de escritório, jantares silenciosos e camas que já não abrigam calor.
A trilha sonora é quase inexistente, substituída por ruídos ambientes: passos, suspiros, barulhos de chuva contra a janela. Tudo no filme parece conspirar para a ideia de introspecção. E essa escolha estética é proposital: Haugerud quer que a gente olhe para dentro — deles, mas também de nós.
Sexo sem espetáculo: o corpo como território de questionamento, não de resposta
Apesar do título provocativo, Sex não é um filme sobre prazer, sedução ou erotismo. O sexo aqui é quase sempre uma ação deslocada, desconectada de paixão ou libertação. Ele aparece como um catalisador de dúvidas. O corpo, nesse contexto, é menos um lugar de encontro e mais um território onde a identidade se manifesta de forma enigmática.
Essa abordagem pode frustrar quem espera uma obra mais sensual. Mas para quem busca complexidade, o resultado é fascinante. Ao tratar o sexo como algo que confunde, ao invés de resolver, o filme aponta para uma verdade raramente representada no cinema: nem todo desejo vem com manual de instruções.

Masculinidades em xeque: e se não soubermos quem somos?
O grande trunfo de SEX (2025) é sua coragem de mostrar homens vulneráveis. Homens que não sabem o que sentem. Que não têm segurança sobre seu desejo. Que não estão traindo, mas estão mudando — e que têm medo disso.
Num mundo em que as conversas sobre gênero e identidade muitas vezes colocam os homens no papel de opressores ou obstáculos, o filme propõe algo raro: olhar para a crise masculina com empatia, sem vitimização, mas com escuta.
Esses personagens não querem virar ícones de nada. Eles só querem entender. E isso já é revolucionário.
Recepção crítica: divisões, elogios e reconhecimento
Desde sua estreia no Festival de Berlim 2024, onde foi exibido na seção Panorama, Sex causou reações diversas. Críticos como Peter Bradshaw (The Guardian) elogiaram a “ousadia da banalidade” e a “inteligência emocional da narrativa”. Já alguns espectadores apontaram a lentidão e a ausência de respostas como fatores de frustração.
Mas no geral, o filme foi celebrado por abrir espaço para uma nova abordagem da sexualidade masculina. O fato de fazer parte de uma trilogia (seguido por Dreams e Love) também contribuiu para que a obra ganhasse corpo e fosse entendida como um movimento artístico coerente.
No Rotten Tomatoes, o longa acumula 88% de aprovação crítica, com destaque para o roteiro sutil e as atuações contidas.
SEX (2025): Um filme que mais pergunta do que responde — e isso é libertador
Sex não é um filme fácil. Ele exige atenção, paciência, escuta. Ele caminha devagar porque está entrando em território sagrado: o da identidade. E identidade não se constrói com pressa.
Ao final da projeção, talvez você não saiba exatamente o que viu. Mas certamente terá sentido. Sentido aquele desconforto bom que só grandes filmes provocam. A sensação de que algo se abriu dentro de você. Um espelho, uma pergunta, uma possibilidade.
Sex é sobre tudo o que se cala. E sobre o que finalmente pode ser dito — mesmo que em voz baixa.
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