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[CRÍTICA] TEMPO DE GUERRA (2025): uma imersão cruel e humana na psicologia do combate

  • Foto do escritor: Manu Cárvalho
    Manu Cárvalho
  • 17 de abr.
  • 5 min de leitura

LUZ, CÂMERA, CRÍTICA! — Por Manu Cárvalho

Um exercício de empatia. Um estudo sobre o custo da obediência
Um exercício de empatia. Um estudo sobre o custo da obediência (Foto: Reprodução / CineBuzz)

Em Tempo de Guerra (Warfare), lançado em 17 de abril de 2025, o cinema de guerra dá um passo para fora do campo do espetáculo e entra diretamente no território da alma. Dirigido por Ray Mendoza (ex-Navy SEAL) em parceria com o aclamado cineasta Alex Garland (Ex Machina, Aniquilação), o longa abandona qualquer resquício de glamour e aposta em um realismo angustiante. E mais do que isso: coloca o espectador dentro de um dia de combate como ele é — sujo, tenso, claustrofóbico, sem heróis, sem música épica, sem alívio.


Baseado em fatos reais, especificamente no que Mendoza viveu como combatente durante a Batalha de Ramadi, em 2006, o filme escancara a lógica de uma guerra sem lógica. É um soco no estômago. Um exercício de empatia. Um estudo sobre o custo da obediência.


Sinopse: uma casa, uma missão, um inferno

A narrativa de Tempo de Guerra se passa em um período de 24 horas — tempo real, sem saltos, sem cortes estratégicos. Acompanhamos uma unidade de elite das forças armadas americanas que, em plena Ramadi, no Iraque, ocupa uma casa civil com o objetivo de monitorar os arredores. O que deveria ser uma missão de vigilância e controle rapidamente se transforma em um pesadelo urbano, quando insurgentes do Al-Qaeda iniciam uma ofensiva que os obriga a lutar pela própria sobrevivência.


Não há grandes estratégias táticas. Não há tempo para heroísmo. O que vemos é o desespero puro, alimentado por ruídos, adrenalina, calor, e a constante dúvida: será que vamos sair vivos daqui?


O peso da direção compartilhada: quando memória encontra linguagem cinematográfica

A união entre Mendoza e Garland é, por si só, uma das grandes forças do filme. O primeiro traz a vivência, os detalhes que só um soldado que já esteve lá poderia oferecer. O segundo entende o poder do silêncio, da angústia psicológica, e sabe dirigir com minimalismo uma narrativa intensa.


O resultado é um híbrido: por um lado, Tempo de Guerra parece um documentário — a câmera na mão, os diálogos soltos, a naturalidade do caos. Por outro, o longa se permite mergulhar em momentos de introspecção, colocando o espectador dentro da mente dos soldados, revelando medos, contradições e, por vezes, uma humanidade que parece querer gritar por socorro entre os ruídos dos disparos.

Um questionamento sobre a validade de toda aquela destruição
Um questionamento sobre a validade de toda aquela destruição. (Foto: Reprodução / O Globo)

Elenco: quando a atuação se dissolve no real

O protagonista, interpretado por D’Pharaoh Woon-A-Tai, encarna Ray Mendoza, o alter ego do próprio diretor. Sua atuação não tem pompa, não tem carisma forçado. É crua, contida, exata. Há uma dor latente em seus olhos, mesmo nas cenas mais simples — como quando observa a janela de uma casa comum e parece imaginar que tipo de vida existia ali antes da guerra.


Charles Melton, com seu carisma contido, interpreta um soldado em constante tensão com a cadeia de comando. Ele representa o soldado que questiona, que sente culpa, que não consegue mais separar o certo do necessário. Já Joseph Quinn (conhecido por Stranger Things) surge como um operador mais impulsivo, visceral — e é dele que vem a famosa frase dita sob pressão: “Não há missão quando tudo é improviso.”


O trio, junto aos coadjuvantes, constrói um retrato polifônico de quem vai à guerra: não são soldados, são pessoas com medo. Com pais. Com filhos. Com cicatrizes que ainda nem se formaram.


Estética e trilha: som, poeira e ausência de glamour

A proposta estética de Tempo de Guerra é radical — e corajosa. A câmera nunca se distancia. Ela treme. Ela cai. Ela treme de novo. Ela respira junto com os personagens, às vezes até nos fazendo sentir claustrofobia. A fotografia aposta em tons amarelados, quase desérticos, misturando o calor árido do ambiente com o calor das decisões apressadas.


A trilha sonora tradicional é ausente. No lugar de violinos emocionantes, temos sons reais: o estalo de botas na areia, o sussurro de um rádio falhando, o estouro de uma porta sendo arrombada, a respiração ofegante. O silêncio, quando existe, é ainda mais perturbador. O filme quer que você ouça o pânico — e ouve-se. Sente-se. Sobrevive-se junto.

Não são soldados, são pessoas com medo. Com pais. Com filhos. Com cicatrizes que ainda nem se formaram.
Não são soldados, são pessoas com medo. Com pais. Com filhos. Com cicatrizes que ainda nem se formaram. (Foto: Reprodução / Veja Abril)

Mais do que uma guerra, um colapso moral

É difícil assistir a Tempo de Guerra e não sair com o peito apertado. Não pela brutalidade das cenas — que, sim, são tensas —, mas porque o filme nos faz pensar no absurdo da lógica militar. Nos faz observar como uma vida civil pode ser destruída por mera presença. Como uma criança se esconde ao ver um soldado. Como os próprios soldados já não conseguem mais distinguir culpa de instinto.


Em nenhum momento o filme celebra a guerra. Nem mesmo aqueles que retornam vivos parecem vitoriosos. O que existe, no fim, é um luto silencioso. E um vazio. Porque não é só quem morre que perde. Quem sobrevive também perde: a paz, o sono, a fé.


Crítica social e desconstrução do heroísmo

É impossível não perceber que Tempo de Guerra faz um esforço deliberado para fugir do patriotismo raso. Não há bandeiras tremulando. Não há discursos motivacionais. O que há são ordens dúbias, missões sem propósito claro, e um sistema onde o soldado é descartável.


Quando um dos personagens se pergunta em voz alta: “Será que alguém vai lembrar o que fizemos aqui?”, não é apenas uma frase. É uma súplica. Um questionamento sobre a validade de toda aquela destruição. Uma crítica clara a sistemas que engolem jovens, os treinam para matar, e depois os devolvem quebrados para casa — ou não os devolvem.


A guerra dentro da guerra: as batalhas psicológicas

Talvez o maior trunfo do roteiro seja entender que o verdadeiro campo de batalha nem sempre está do lado de fora. Cada personagem é apresentado com nuances, com micro expressões que revelam exaustão, raiva, trauma antecipado. Há momentos em que o medo não vem de um inimigo armado — mas de um barulho estranho no andar de cima, ou de um rádio que perde o sinal por 30 segundos.


E é nessas pequenas pausas que o filme mostra o quanto a guerra é, antes de tudo, um trauma. E como esse trauma se infiltra nos corpos, nas memórias, na rotina de quem deveria apenas estar vivo, mas agora precisa aprender a sobreviver a si mesmo.

Tempo de Guerra não é fácil de assistir. Nem deveria ser. Ele não existe para entreter.
Tempo de Guerra não é fácil de assistir. Nem deveria ser. Ele não existe para entreter. (Foto: Reprodução / Entretenimento)

Recepção crítica: divisões que fazem parte da proposta

No Rotten Tomatoes, o filme estreou com cerca de 70% de aprovação, e no Metacritic, uma nota média de 68/100. Para um filme tão ousado e difícil, são números significativos. A maioria dos elogios vai para a honestidade da obra e a coragem de retratar o caos sem filtros. As críticas se concentram na falta de uma narrativa tradicional, com arcos bem definidos — o que, de fato, pode afastar parte do público.


Mas talvez isso seja parte da proposta. A guerra, como Tempo de Guerra nos mostra, não tem estrutura de três atos. Não tem clímax. Não tem catarse. Ela apenas acontece. E sobra para quem vive contar.


Tempo de Guerra: Um retrato cru, necessário e quase insuportável

Tempo de Guerra não é fácil de assistir. Nem deveria ser. Ele não existe para entreter. Existe para lembrar. Para provocar. Para questionar o que chamamos de missão, de vitória, de dever. É um filme que precisa ser sentido mais do que compreendido.


E no final, quando as luzes da sala se acendem, não é raro ver gente ainda sentada, olhando para a tela vazia. Talvez tentando digerir. Talvez tentando esquecer. Talvez apenas respeitando o silêncio — esse mesmo silêncio que, no filme, grita.


Nota final: ⭐⭐⭐ (3/5)

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