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Marcelo Teixeira

Eu e os presentes do Dia das Mães

Eu era criança, mas não me lembro da idade que eu tinha. Um belo dia, assim que acordei, meu pai entregou para mim e meu irmão dois utensílios domésticos. O meu foi uma tigela redonda de vidro. Meu pai, então, explicou que era Dia das Mães e que os havia comprado para darmos de presente para minha mãe. Detalhe: os presentes não estavam embrulhados. Ainda de pijamas, entregamos aquilo para minha mãe, que agradeceu friamente. Foi assim que descobri que existia o Dia das Mães.

 

       Confesso que, apesar da pouca idade, fiquei intrigado com a reação da minha genitora e também com o que meu pai havia comprado de presente. Talvez a frieza dela ao receber os regalos tenha vindo do fato de não serem presentes para ela, mas para a casa. Aliás, meu pai repetiu a “façanha” algumas vezes, ao longo dos anos, no Dia das Mães. Creio que, por ter perdido a mãe quando ainda era bem pequeno, ele não adquiriu a percepção do que é ser um filho prestando atenção ao universo materno.

 

      Quando adolescente, gostava de dar presentes para ela e para ele. Como ainda não trabalhava, usava minhas economias ou pedia para minhas tias ajudarem. Desta fase, o mais marcante presente foi uma forma redonda de bolo (daquelas com um furo no meio), que dei para ela, em 1978. É a forma que herdei e que utilizo até hoje para assar bolos. Sei que repeti o equívoco paterno, mas ainda era adolescente e dei algo que ela curtiu, já que minha mãe adorava fazer bolos (eu tenho a quem puxar) e ainda não possuía daquele tipo de forma. Comprei uma grande, com 26cm de diâmetro.

 

        Anos depois, mal ingressei no mercado de trabalho, comecei a dar presentes para ela. Nunca para a casa. Perfumes, roupas, toalhas de banho, brincos, cordões, livros, chocolates, flores, calçados, LPs... Só dava algo para a casa se fosse uma coisa que ela curtiria muito (sempre entendi o gosto dela) ou se ela me pedisse algo do gênero. Fora isso, coisas para a mulher que era minha mãe, nunca para a dona de casa que era minha mãe, algo que meu pai custou a entender por ser também de um tempo em que presentear a esposa poderia ser confundido com equipar a casa.

 

      Meu pai não era o único a agir assim. A novela “Transas e caretas”, exibida pela TV Globo em 1984, mostrou uma cena em que uma personagem dona-de-casa ganhava um avental de presente do marido machão. Houve também, nos arredores de minha residência, casos em que mulheres foram presenteadas com tábuas de bater bife, frigideiras e afins. Garanto que não era por maldade ou escárnio, apenas inobservância de homens que foram criados para serem servidos pelas mulheres e nunca prestaram muita atenção a seus sonhos e anseios. Tempos de um machismo que ainda reverbera por aí e que precisa ser posto definitivamente de lado.

 

     Minha mãe faleceu no final de maio de 2018. Maio era o mês do aniversário dela também. Mais precisamente, no dia 2. Eu ficava doido; dois presentes de uma vez. Mas sempre me saí bem. Ao me recordar disso tudo, experimento uma tranquilidade bem-humorada. Soube presenteá-la, cuidei muito bem dela quando a velhice chegou e lhe preparei muitos bolos e sobremesas. Foi uma forma de retribuir não só o afeto e a criação que ela me deu, mas também por ela ter me alimentado, cuidado da minha roupa e, junto com meu pai, ter garantido a minha retaguarda por tantos anos.

 

       Termino este artigo com um alerta aos filhos, filhas e maridos: sempre presenteiem a mãe no Dia das Mães, Natal ou aniversário; jamais a casa. Nada de fazer confusão. Mesmo porque, o tempo de mulher dentro de casa acabou faz tempo.


Marcelo Teixeira



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