O acordo sempre é a melhor solução num processo judicial. Será mesmo? Em vinte anos de prática jurídica, me deparei com o que provavelmente é a situação mais bizarra (para não dizer teratológica, que em juridiquês significa monstruosamente absurda), que foi a extinção de um processo judicial, numa vara de família, por uma juíza, baseada num acordo que nenhuma das partes aceitou.
Eu compreendo que parece confuso, e realmente é: a juíza formulou uma “proposta do juízo”, sem possibilidade de contraproposta pelas partes, “valendo o silêncio como anuência” (concordância), uma das partes disse expressamente que considerava aviltante a “proposta”, mas que aceitaria se, e somente se, o pagamento fosse depositado no dia “X”, caso contrário que se prosseguisse a execução pelo valor devido, conforme os cálculos de atualização apresentados. A outra parte não se manifestou.
O pagamento não foi efetuado na forma proposta, e fomos surpreendidos com a extinção do processo em razão do acordo com o qual nenhuma das partes - nem exequente, nem executado - concordou.
A conciliação entre as partes deve ser estimulada, e certamente quando isso ocorre, de maneira voluntária e consciente, com a negociação das partes, é uma excelente solução, mas nunca deve ser imposta por uma “proposta do juízo”, ainda mais quando restringe direito da parte mais vulnerável da relação, fato mencionado inúmeras vezes no processo em questão.
Segundo o artigo 840 do Código Civil: “É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas”. Quando falamos em “acordo” sem a concessão de nenhuma das partes, trata-se de uma verdadeira aberração jurídica, que contraria a lei e os princípios jurídicos da boa-fé e, principalmente, o Princípio Constitucional da Legalidade, pois ninguém é obrigado a aceitar um acordo que lhe desfavorece. Ao juiz, é permitido usar do livre convencimento em relação às provas presentes no processo, estando ele obrigado a decidir de forma fundamentada, justificando a sua decisão, ou sentença nos termos da lei.
Usei esse exemplo extremo para falar da validade (ou não) dos inúmeros “acordos” que vemos diariamente partes aceitarem, em sua maioria gritante mulheres, pressionadas para renunciar a direitos, não porque acreditam ser justo ou aceitável, mas por se sentirem pressionadas a fazê-lo, para pôr fim à agonia do processo, por medo de não ter seu direito reconhecido, para fazer cessar uma situação de retenção patrimonial, ou por outros motivos.
Precisamos, enquanto operadores do Direito e, principalmente, enquanto cidadãos, avaliar os acordos, sim, como melhor solução para as demandas judiciais, desde que eles sejam formalizados com respeito e observância do Princípio da Livre Disponibilidade do Direito, que dá às partes (e jamais ao juízo) o direito de realizar acordos abrindo mão de parte de seus direitos, desde que o façam de livre vontade e sem nenhum tipo de pressão, caso contrário, se opera o instituto da lesão, previsto no artigo157 do Código Civil: “Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta”, ou seja: o acordo só é válido se foi firmado sem nenhum tipo de pressão ou necessidade, e com plena ciência e aceitação das partes, mas a prática diária nos mostra uma realidade claramente oposta.
Alexandra Assumpção Fonseca
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