Marcelo Teixeira
Por ocasião da morte do ator e diretor Jorge Fernando (outubro de 2019), um site de notícias dedicadas a celebridades publicou uma matéria com o seguinte título: “Xuxa, Angélica e Luciano Huck causam tumulto no velório de Jorge Fernando”.
Li o conteúdo pela manhã. Em seguida, fui cuidar de meus afazeres. Como achei o título infeliz, o assunto ficou batendo à minha mente, pedindo para ser transformado em crônica. Cheguei, inclusive, a aventar a possibilidade de chamar atenção, na boa, da turma do site. Mas felizmente o título já era outro quando reli a matéria, à noite. Haviam mudado para “Fãs de Xuxa, Angélica e Luciano Huck causam tumulto no velório de Jorge Fernando”. Ainda bem, pois os referidos artistas, todos com cara triste, comparecem ao local para prestar a última homenagem ao amigo falecido. Tumulto, quem causou, foram os fãs, palavra que deriva de “fanáticos”.
Quase desisti de escrever por causa disso. O pensamento e os dedos, no entanto, formigavam. Vinham à minha mente os rostos de Xuxa e Angélica, principalmente. Ambas tristes, sentidas mesmo, pela morte de Jorginho. Luciano, mais comedido, tentava, discretamente, chegar à porta do Teatro Leblon – Sala Marília Pêra –, onde o corpo do diretor e ator foi velado. E os fãs, à volta, tirando fotos, tentando “selfies” com um dos três, obrigando os seguranças a fazer um cordão de isolamento bem ferrenho para que o trio de apresentadores pudesse, enfim, chegar ao velório.
Tal fato me remeteu à porta do velório do ator Domingos Montagner, que foi realizado também em um teatro, só que em São Paulo. Domingos, como todos devem lembrar, morreu afogado no Rio São Francisco durante a reta final das gravações da novela “Velho Chico”, em 2016. Uma tragédia que chocou e enlutou a todos nós. Classe artística, então, nem se fala!
À porta do teatro, nomes como Carmo Dalla Vecchia, Thiago Lacerda e Ingrid Guimarães, todos visivelmente consternados, atravessavam a multidão para tentar se despedir de Montagner. À volta – nunca esquecerei – gente de celular em punho e cara de suprema felicidade por estarem vendo de perto os artistas da TV e os fotografando para, depois, mostrar o feito a familiares e amigos. Fiquei revoltado.
Retrocedo agora ao ano de 2004. A novela “Senhora do Destino”, exibida pela TV Globo, fazia enorme sucesso. Uma das protagonistas era a personagem Maria do Carmo, interpretada por Suzana Vieira. Deviam faltar dois meses para o término da trama quando o pai de um grande amigo de Suzana faleceu. Condoída, ela foi à capela do cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro, prestar solidariedade à família e viver o luto que todos têm o direito de viver nesses momentos. Não pôde ficar muito tempo. Teve de sair às pressas e escoltada. Motivo: participantes de outros velórios, ao saberem que Suzana Vieira estava no local, causaram alvoroço. Queriam cumprimentá-la, pedir autógrafos, fotografar etc. Fico imaginando a cena até hoje. Gente largando os corpos que velavam para tietar Suzana. Como se capelas mortuárias fossem local para isso!
O ator e diretor Miguel Falabella, durante um bom tempo, foi titular de uma coluna dominical no jornal “O Globo”, aqui do RJ. Cronista de mão cheia, Falabella narrou, certa vez, que havia perdido uma tia, irmã de sua mãe, naquela semana. Local do sepultamento: cemitério do Caju, na Zona Portuária da Cidade Maravilhosa. Miguel, familiares e amigos, tão logo sepultaram a ente querida, saíam juntos do local quando cruzaram com um grupo que acompanhava outro enterro. Assim que viram Falabella, largaram o cortejo e foram lhe pedir autógrafo. Aproveitaram para perguntar se o motivo da presença dele no local era porque algum artista havia falecido. Sem graça, ele respondeu que acabara de enterrar uma tia.
Há vários episódios do gênero, quando da vez em que gritaram “Lindo!” para o cantor Roberto Carlos durante o velório do pai dele. Não pretendo, no entanto, me alongar em tantos exemplos.
Confesso que me irrita profundamente ver artistas sendo assediados em velórios e enterros. Por mais famosos que sejam, por mais fascínio que despertem, são pessoas de carne e osso como nós. Por isso, têm todo o direito de viver o luto em paz e com discrição. Nunca entendi por que tanta gente ultrapassa os limites do respeito para tentar um autógrafo, tirar uma “selfie” ou tocar no famoso. Ah, esse sistema midiático que transforma profissionais da arte e do entretenimento em deuses do Olimpo!
Talvez eu esteja sendo intolerante com os, digamos, reles mortais que se arriscam a tirar uma casquinha dos astros em funerais de famosos, que sempre concentram um grande número de, vá lá, celebridades. Afinal, por força dos ofícios que exerço, estou acostumado a lidar com atores, escritores e cantores. Já entrevistei alguns e conversei normalmente com muitos em eventos, coletivas de imprensa, produções de espetáculos... Já ri com alguns, dividi a mesa de restaurante com outros etc.
É claro que é muito agradável estarmos diante de pessoas cujo trabalho admiramos e a quem vemos sempre pela TV. Mais agradável ainda é as abordarmos naturalmente, sem idolatria ou histeria, e podermos conversar de igual para igual. Afinal, eles são iguaizinhos a nós, garanto! Pagam contas, chamam atenção dos filhos, atendem ao telefone. E, acima de tudo, sentem-se lisonjeados quando são abordados em hora oportuna e de forma civilizada.
Aprendi com a doutrina espírita que o “Amar ao próximo como a si mesmo” – frase lapidar de Jesus Cristo – tem muito a ver com respeito, elegância e educação. Por isso, toda vez que vejo alguém avançando nos famosos em momentos de luto e dor, fico pensando o quanto ainda temos de caminhar.
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