Kell Smith lança vídeo em Libras e provoca reflexão sobre acessibilidade no audiovisual
- Ana Soáres

- 25 de set
- 3 min de leitura

Na noite desta terça-feira (24), às 19h, a cantora e compositora Kell Smith surpreende o público ao lançar, no Instagram, um vídeo especial que sinaliza em Libras um trecho falado de seu pai, presente em uma das músicas de seu novo disco. O vídeo chega sem áudio, valorizando exclusivamente a linguagem de sinais — um gesto poético, mas também político, que expõe uma ferida ainda aberta na produção cultural brasileira: a falta de acessibilidade nos conteúdos audiovisuais.
A iniciativa não é isolada. Ela dialoga diretamente com o manifesto do novo álbum, também sinalizado em Libras, reforçando o tom inclusivo do projeto e a responsabilidade que a artista assume diante de sua própria trajetória como mulher, artista, PCD e autista.
“Eu sou uma pessoa autista, PCD, e venho refletindo bastante sobre o meu papel na busca de uma sociedade mais acessível e de uma comunicação mais inclusiva. Como artista, a gente tem uma grande responsabilidade, uma influência, então por que não usar isso para comunicar desta forma algo tão importante para nós?”, afirma Kell Smith, em fala exclusiva à Pàhnorama.
O gesto não é apenas estético. É político. É social. É humano. Ao optar por um vídeo sem áudio, Kell convida o público a experimentar — ainda que por alguns segundos — o desconforto que milhões de pessoas surdas enfrentam todos os dias quando não encontram acessibilidade na comunicação.

Segundo dados do IBGE (2019), o Brasil tem mais de 10 milhões de pessoas com algum grau de deficiência auditiva, sendo cerca de 2,3 milhões com perda severa. No entanto, a representatividade e a acessibilidade nos conteúdos audiovisuais ainda engatinham, e a ausência de legendas e tradução em Libras exclui uma parcela inteira da população.
Mais que um vídeo, a ação é uma espécie de espelho invertido: ela causa o mesmo desconforto que pessoas surdas sentem ao consumir diariamente conteúdos que não lhes são acessíveis.
“O vídeo também tem a intenção de causar um certo desconforto. Tem fãs curiosos querendo saber detalhes do álbum, spoilers das músicas… E é justamente aí que entra o alerta: se você não está entendendo o que estou comunicando aqui, agora você sabe como se sente uma pessoa que depende da sinalização e dessa inclusão que nem sempre têm acesso”, explica.
Esse “desconforto” é, na verdade, uma denúncia silenciosa. Uma provocação artística que transcende o lançamento de um disco para se tornar um manifesto social.
“Se a música é transformadora, como todos nós sabemos que é, ela precisa chegar a todas as pessoas que precisam ser transformadas. A acessibilidade é uma forma de democratizar esse acesso, de incluir e de exercer nosso papel na sociedade”, completa Kell.
No cenário cultural em que a pressa por views e engajamento muitas vezes atropela discussões estruturais, a artista se coloca em um espaço de resistência, de quem entende que inclusão não é detalhe, é urgência.
E se alguns fãs sentirem falta de sons, spoilers ou respostas rápidas, talvez seja justamente esse o ponto: não compreender também é um chamado.
Como provoca Kell:
“Tenho certeza de que quem conseguir entender a mensagem vai se sentir ainda mais incluído, e quem não entender será alertado e provocado do jeito certo”.
Inclusão e diversidade
O vídeo de Kell se conecta diretamente ao manifesto do álbum, que também foi sinalizado em Libras, reforçando o compromisso da cantora com a inclusão e diversidade. “Não é sobre fazer música apenas para quem escuta, é sobre criar pontes com quem sente, com quem vive, com quem existe”, afirmou a artista em entrevistas recentes.
Esse movimento se insere em uma crescente pressão social para que plataformas de streaming, emissoras de TV e criadores de conteúdo digital implementem medidas de acessibilidade. O silêncio proposto por Kell Smith hoje, portanto, não é vazio: é um grito. Um lembrete de que a comunicação só é plena quando alcança a todos.
Em tempo
Se a arte tem o poder de transformar, a acessibilidade é o caminho que garante que essa transformação seja coletiva, não restrita. A pergunta que fica é: quantos outros artistas terão a coragem de abrir espaço para essa conversa e usar sua influência para romper o silêncio da exclusão?
O novo álbum da cantora, Latino-Americana, chega com a promessa de ampliar esse debate — trazendo não só poesia em palavras e melodia, mas também em gestos.







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