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Lei "Anti fast-fashion" na França: desde as fast-fashions às marcas de luxo devem repensar suas práticas

  • Foto do escritor: Renata Freitas
    Renata Freitas
  • 30 de jun.
  • 4 min de leitura
Montanha de roupas descartadas no deserto do Atacama
Montanha de roupas descartadas no deserto do Atacama (reprodução/site BBC)

Os questionamentos sobre as fast fashions e ultra fast fashions em seus processos de produção, ética ambiental e gestão de resíduos não é novidade e surge junto aos movimentos de pesquisa da crise climática. Mas, quando falamos sobre toda a cadeia industrial da produção têxtil e sua reestruturação sistemática, a mudança é demorada. Ainda mais quando essa proposta coloca em risco os lucros de uma indústria que movimenta bilhões de dólares ao ano, e que se beneficia diretamente do discurso de superficialidade da Moda, encobrindo seus atos criminosos na exploração do meio ambiente e negligência nas condições de trabalho de seus trabalhadores. Apesar dessas dificuldades iniciais, crescentes são as práticas adotadas para a mitigação de danos dessa indústria, desde grandes fábricas, nos estudos da agroecologia para a produção de matéria prima sustentável, até pequenas marcas. Agora, as práticas em ESG são recomendadas em todos os sistemas industriais de todos os setores e importante diferencial competitivo de mercado, gerador de valor comercial.

Neste sentido, é de importância simbólica um projeto de lei chamado de "anti fast-fashion" ser aprovado na França, país central na história da moda contemporânea. Trata-se de um projeto de lei sancionador e regulatório contra a ultra fast-fashion, especialmente plataformas chinesas como Shein e Temu, com o objetivo de reduzir o impacto ambiental da moda descartável. Entre as sanções, estipula-se multas por peça, penalidades escalonadas de €5 em 2025, subindo para €10 em 2030, podendo chegar a 50% do valor do produto caso ultrapasse limites de sustentabilidade. Proibição de publicidade com veto a propaganda de ultra fast-fashion e uso de influenciadores, embora o Senado tenha flexibilizado este ponto para evitar conflitos com a União Europeia. Bônus ambiental para empresas que recebem pontuação baseada no impacto dos produtos e enfrentam taxas maiores ou acesso a fundos de apoio, conforme desempenho. Exige transparência ambiental com etiquetas com informações sobre consumo hídrico, energia, reciclabilidade e uso de materiais reciclados. Taxas sobre importações pequenas são aplicadas sobre pacotes importados fora da União Europeia, mirando plataformas como Temu. E mecanismos de apoio à reparação em bônus para conserto de roupas e sapatos, reforçando economia circular, sistema já existente desde 2023.


Montanha de roupas descartadas no deserto do Atacama (reprodução/site BBC)


Entre as críticas ao projeto, os vários setores implicados se manifestam. Os ambientalistas celebram o avanço, mas criticam a remoção da publicidade e a retirada de medidas mais rigorosas, considerando a lei “cosmética”. No setor industrial, as marcas francesas e europeias defendem distinção entre fast fashion prejudicial e produção local sustentável. E, ainda, consumidores de baixa renda expressam preocupações sobre aumento no custo de vestuário acessível e possível elitização da moda. Apesar das discordâncias e possíveis incoerências, a França se posiciona como pioneira na regulação rigorosa da moda, indo além da economia circular e da transparência, com uma abordagem legal contundente contra práticas insustentáveis. É visto como um estudo de caso para regulações futuras na União Europeia, reforçando modelos de política pública que incentivam reparo, reutilização, responsabilidade do produtor e transparência nos processos produtivos.

Especula-se que houve um evento decisivo que desencadeou toda essa movimentação do Estado em políticas públicas no campo da Moda e da indústria têxtil. Em 2018, foi revelado que a Burberry, marca de luxo francesa, destruiu cerca de £28,6 milhões em roupas, acessórios e perfumes no ano anterior. Ao longo de 5 anos, esse valor ultrapassava £90 milhões. A justificativa da marca era evitar a desvalorização de produtos não vendidos, manter a exclusividade de seus itens, impedindo que fossem parar em outlets, promoções excessivas ou mercado paralelo, e proteger a propriedade intelectual dos designs, temendo cópias. Segundo a empresa, esses produtos eram geralmente incinerados sob protocolos ambientais controlados.

Vitrine da Burberry em Londres
Vitrine da Burberry em Londres (reprodução/Pinterest)

A prática, comum em outras marcas de luxo, foi altamente criticada por consumidores, ativistas ambientais e defensores da moda ética. Dentre os desdobramentos da divulgação dessas práticas, em 2018, a Burberry anunciou o fim da destruição de produtos não vendidos, também proibiu o uso de peles naturais no mesmo ano, como parte de uma nova estratégia de sustentabilidade. A CEO em exercício no momento, Angela Ahrendts, e depois Marco Gobbetti, admitiram que o mundo mudou e a Burberry precisava mudar com ele. Embora a lei tenha sido direcionada as ultra fast-fashions, atinge proporcionalmente os polos apostos das marcas de luxo, de práticas produtivas igualmente insustentáveis. Conecta-se a esse episódio da Burberry por atacar justamente modelos de produção e descarte extremos, presente tanto no luxo quanto no fast-fashion. Ambas são modelos opostos, mas geram resíduos têxteis massivos.

A lei francesa não se limita ao fast-fashion, ela aponta para a responsabilidade de toda a cadeia da moda, inclusive marcas de luxo. A medida que proíbe publicidade e exige rotulagem ambiental pressiona tanto preços baixos destrutivos quanto a destruição de estoques por prestígio. A ação da Burberry escancarou o paradoxo do luxo: produzir o que ninguém pode ter e destruir o que sobra. A lei francesa aponta para uma virada cultural onde nenhuma marca, seja ela de luxo ou popular, poderá mais ignorar os impactos sociais e ambientais de suas estratégias comerciais.

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