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[CRÍTICA] Maria Callas: um retrato belo, mas que falha em alcançar a alma da diva

Atualizado: 14 de fev.

LUZ, CÂMERA, CRÍTICA! Por Manu Cárvalho Nota: ★★★½

Angelina Jolie e Maria Callas
Maria Callas: ficção e realidade (Foto: reprodução/Divulgação/Getty Images)

Quando entrei na sala de cinema para assistir ao tão aguardado “Maria Callas”, confesso que minhas expectativas eram altas. Afinal, não é todo dia que uma cinebiografia aborda a vida de uma das figuras mais icônicas da música clássica, uma artista que transcendeu sua arte para se tornar um verdadeiro mito. Com a direção de Pablo Larraín, conhecido por sua sensibilidade em obras como “Jackie” e “Spencer”, e a atuação de Angelina Jolie no papel principal, esperava uma experiência transformadora. Mas, talvez, esse seja o problema.


Apesar de seus méritos técnicos e algumas escolhas bem feitas, o filme fica aquém de capturar toda a magnitude da mulher por trás da lenda.


A abordagem narrativa: um recorte que limita

A escolha de focar nos últimos dias de Maria Callas, reclusa em seu apartamento em Paris, foi ousada e, em certa medida, interessante. Larraín e o roteirista Steven Knight optaram por explorar a solidão e o sentimento de perda que marcaram essa fase da vida da soprano. Somos convidadas a entrar na intimidade de uma mulher que, após anos de aplausos e aclamações, se encontra isolada, revisitando memórias e reflexões sobre sua trajetória.


No entanto, essa abordagem, embora sensível, deixa muito a desejar. Para alguém como Callas, cuja vida foi repleta de momentos marcantes – sua ascensão meteórica, sua relação com Aristóteles Onassis, suas performances inesquecíveis nos maiores palcos do mundo –, esse recorte limita a narrativa a uma visão unilateral. É como se o filme tivesse medo de explorar a complexidade da artista, preferindo reduzi-la a uma figura trágica, presa à solidão.


Eu esperava ver mais da Callas vibrante, ousada, que desafiava convenções e transformava a ópera em algo acessível e visceral. Onde estão os bastidores das apresentações lendárias, como sua célebre performance de “Norma”? Onde está a mulher que enfrentava críticas ferozes e seguia em frente, sempre em busca da perfeição? Essas lacunas tornam a narrativa rasa, quase esquecendo que Maria Callas era muito mais do que os dias finais de sua vida.


Angelina Jolie e Maria Callas
Angelina Jolie como Maria Callas em 'Maria' (2024) da Netflix; Retrato de Maria Callas na década de 1960. (Foto: reprodução/ Pablo Larraín/ Netflix )

Angelina Jolie: dedicação que não conquista

Angelina Jolie entrega uma performance claramente dedicada. Sua postura, seu olhar e seus gestos são cuidadosamente construídos, refletindo o trabalho meticuloso que realizou para interpretar Callas. Jolie chegou a passar meses treinando canto e estudando a soprano, e isso é digno de reconhecimento. Mas, infelizmente, essa entrega técnica não é suficiente para dar à personagem a profundidade que ela merece.


Em muitos momentos, senti que Jolie estava mais preocupada em parecer grandiosa do que em ser genuína. Sua interpretação é impecável tecnicamente, mas carece de alma em cenas-chave. Há uma sensação de artificialidade, como se ela estivesse focada em capturar a imagem de Callas, mas sem acessar plenamente suas emoções mais profundas. Isso é especialmente frustrante porque sabemos que Jolie tem capacidade de trazer vulnerabilidade aos seus papéis, mas aqui, parece presa a uma performance calculada, quase fria.


Angelina Jolie e Maria Callas
(E) Maria Callas (Anna Maria Cecilia Sophia Kalos) e Aristóteles Onassis em um restaurante, na Itália, em 17 de agosto de 1960. MARIA. (Da esq. para a dir.) Angelina Jolie como Maria Callas e Haluk Bilginer como Aristóteles Onassis em Maria (Foto: reprodução/Getty Images/Netflix)

Estética e trilha sonora: os grandes trunfos

Se o filme falha em capturar a essência emocional de Maria Callas, ele compensa com sua estética. Edward Lachman, o diretor de fotografia, constrói um universo visual deslumbrante. A combinação de cenas em preto e branco com tons suaves de cor confere ao filme uma atmosfera nostálgica, quase etérea. Cada enquadramento é cuidadosamente pensado para evocar a elegância e a melancolia que marcaram a vida de Callas. As cenas que recriam momentos históricos, como suas performances em palcos icônicos, são visualmente encantadoras e um dos pontos altos da produção.


A trilha sonora é outro acerto. Utilizar gravações originais de Maria Callas foi uma escolha brilhante. Ouvir sua voz em clássicos como “Casta Diva” e “O Mio Babbino Caro” é arrebatador. Essas músicas não são apenas pano de fundo; elas carregam a narrativa, trazendo à tona toda a paixão e o sofrimento que definiram sua vida. É impossível não se emocionar ao ouvir Callas cantar, especialmente em momentos que contrastam sua grandiosidade artística com sua solidão pessoal.


Angelina Jolie e Maria Callas
Maria Callas em 1972 e Angelina Jolie como Callas em "Maria" (Foto: reprodução /Getty Images /Netflix)

A falta de profundidade da obra Maria Callas

O maior problema de “Maria Callas” é a superficialidade com que aborda a personalidade da artista. O filme parece obcecado em retratá-la como uma vítima – da fama, do amor, da solidão. Embora esses elementos façam parte de sua história, eles não a definem completamente. Faltou mostrar a força que a impulsionava, a ambição que a levou a ser uma das maiores sopranos de todos os tempos.


Por que não explorar a Callas determinada, que desafiava maestros e insistia na perfeição de suas performances? Ou a mulher apaixonada pela arte, que transformava cada apresentação em uma experiência única? Em vez disso, o filme opta por uma narrativa unidimensional que não faz jus à complexidade de sua protagonista.


Reflexões sobre fama e sacrifícios

Apesar de suas falhas, o filme traz reflexões importantes sobre o preço da fama e os sacrifícios exigidos de artistas em busca da perfeição. Callas dedicou sua vida à música, mas isso teve um custo pessoal altíssimo. Sua vida foi marcada por perdas, decepções amorosas e a pressão incessante para ser impecável. Esses temas são tratados com sensibilidade, e é impossível não nos perguntarmos: vale a pena abrir mão de tudo por um ideal? Essa reflexão, sem dúvida, é um dos aspectos mais interessantes do filme.


Angelina Jolie e Maria Callas
Left: Weston/Daily Express/Hulton Archive/Getty Images, Archivio Apg/Mondadori Portfolio/Getty Images, Getty Images. Right: Pablo Larraín/Netflix)

Vale a pena assistir?

Apesar de suas imperfeições, “Maria Callas” é uma obra que merece ser vista. Para os fãs da soprano, é uma oportunidade emocionante de revisitar sua arte e história, ainda que de forma limitada. Para quem está conhecendo Maria Callas pela primeira vez, o filme funciona como um ponto de partida para explorar sua vida e sua música.


No entanto, saí do cinema com uma sensação agridoce. O filme é visualmente impecável e oferece momentos de pura emoção, mas falta profundidade e ousadia para capturar toda a essência de uma mulher tão complexa. Callas era um paradoxo: forte e vulnerável, apaixonada e desapegada, uma diva e uma mulher comum. Infelizmente, o filme não consegue transmitir todas essas camadas.


Como redatora e admiradora de cinebiografias, não posso deixar de lamentar o potencial desperdiçado. Maria Callas merecia mais – mais paixão, mais coragem, mais verdade. Ainda assim, vale a pena assistir, nem que seja para se emocionar com sua voz e relembrar o impacto dessa artista extraordinária.


Se há algo que o filme nos ensina, é que Callas permanece viva em sua música e na memória daqueles que se emocionaram ao ouvi-la. Isso, no fim das contas, é o maior legado de uma artista que nunca deixou de ser divina.

1 Comment

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Érica Corrêa
Érica Corrêa
Feb 04
Rated 5 out of 5 stars.

Fica parecendo que uma mulher tem que ser trágica para que sua história seja grandiosa quando isso está o mais longe da verdade.

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