“Os Donos da Terra Chegaram”: Povos Indígenas Tomam Brasília e Declaram Guerra ao Petróleo na Amazônia
- Ana Soáres
- 7 de abr.
- 4 min de leitura
Com vozes que ecoam da floresta até o mundo, indígenas dos nove países da Bacia Amazônica, do Pacífico e da Austrália se reúnem em Brasília para barrar o petróleo e exigir justiça climática, demarcação de terras e fim do marco temporal

Brasília, abril de 2025.
Se você pudesse fechar os olhos agora e ouvir um canto ancestral ecoando pelo Congresso Nacional, provavelmente sentiria a força do Acampamento Terra Livre (ATL) – que neste ano chega à sua 21ª edição com fôlego renovado e bandeiras ainda mais urgentes. Sim, eles estão de volta. E mais fortes, organizados e internacionais do que nunca.
Entre cocares e celulares, arcos e megafones, cerca de 8 mil indígenas de todo o Brasil e de diversas partes do mundo se reúnem de segunda (07) até a próxima sexta-feira (11) no coração do poder federal. Mas não se engane: essa mobilização não é um desfile folclórico. É uma estratégia de sobrevivência. É a Amazônia falando. E é preciso escutar.
A floresta se une: do Xingu ao Pacífico Sul

O ATL 2025 é promovido pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), que neste ano celebra 20 anos de existência. Nascida da necessidade de unir vozes indígenas em um país historicamente surdo às suas demandas, a APIB virou referência mundial na luta pelos direitos dos povos originários. E, neste abril, o acampamento traz uma dimensão global.
Além de representantes dos nove países da Bacia Amazônica, vieram lideranças indígenas do Canadá, das Ilhas do Pacífico e da Austrália, todos unidos em um mesmo clamor: dizer não à exploração de combustíveis fósseis na Amazônia e exigir que suas vozes sejam ouvidas nas decisões que definem o futuro do planeta.
O gesto é simbólico e estratégico. Às vésperas da COP30, que acontecerá em Belém (PA), e já mirando a COP31, na Austrália, esses povos se articulam por meio da Troika dos Povos Indígenas e do G9 da Amazônia Indígena, para garantir um protagonismo legítimo nas cúpulas climáticas – espaços que, historicamente, os ignoraram.
Justiça Climática e Direito Ancestral
A pauta do ATL 2025 é robusta. A primeira e mais urgente: a extinção da Lei 14.701/2023, que institui o polêmico marco temporal – uma tese considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas que insiste em ressurgir nas mãos do ministro Gilmar Mendes, que tenta uma “conciliação” em cima de um trauma histórico.
Segundo Luis Ventura Fernández, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), “o marco temporal é a maior certidão da impunidade para as atrocidades cometidas contra os Povos Indígenas”. Ele se refere à tese segundo a qual só teriam direito à terra os povos que a ocupavam em 5 de outubro de 1988, dia da promulgação da Constituição. Como se séculos de expulsões violentas pudessem ser apagados por um parágrafo de conveniência política.
Além disso, o ATL exige a aceleração das demarcações de terras indígenas — que, segundo dados da APIB, estão paralisadas em mais de 300 processos — e o fim da exploração de petróleo na Amazônia, questão vista como central para a justiça climática no século XXI.
O petróleo e o paradoxo da destruição

Em fevereiro deste ano, o G9 da Amazônia lançou um manifesto internacional exigindo o fim da exploração de combustíveis fósseis no bioma amazônico. A motivação é clara: proteger o último grande regulador climático do planeta. Segundo dados do INPE, a Amazônia já perdeu mais de 17% da sua cobertura florestal original, e estima-se que esteja próxima do ponto de não retorno — quando o ecossistema colapsa e se torna irreversível.
Apesar disso, a pressão por exploração de petróleo, inclusive na foz do Rio Amazonas, ganhou força nos últimos anos. O paradoxo é doloroso: em nome da transição energética, discute-se abrir poços em uma das regiões mais sensíveis do mundo. E, enquanto isso, os que mais protegem a floresta são também os mais atacados.
Uma mobilização que é resistência e reexistência
Para Toya Manchineri, coordenador-geral da COIAB, o ATL 2025 é mais do que uma manifestação. É uma proposta de futuro. “Nossas vozes e conhecimentos tradicionais precisam estar presentes na construção das políticas climáticas”, disse ele. E tem razão.
É justamente nesses saberes milenares que reside a resposta que a ciência ainda procura: como equilibrar desenvolvimento e preservação, energia e justiça, crescimento e ancestralidade.
A quem interessa silenciar?
A mídia nacional cobre, em sua maioria, de forma protocolar. Mas há veículos que tratam o ATL com o respeito que merece: SBT, Agência Brasil, Brasil de Fato e a Revista Cenarium estão entre os que amplificam essas vozes.
Mas a grande pergunta continua: por que é tão difícil para o Brasil reconhecer a legitimidade e a urgência dos povos indígenas? Por que, mesmo após a Constituição de 88, a demarcação de terras ainda é travada? E por que, mesmo com os alertas da ciência, o petróleo continua sendo tratado como solução?
O ATL 2025 é, acima de tudo, um espelho da nossa sociedade. Um espelho que nos mostra que o caminho não é rasgar florestas, mas escutar as vozes que vivem nelas. Que não é com máquinas que se protege a vida, mas com escuta, respeito e justiça.
Em tempo: um recado aos leitores
Se você leu até aqui, parabéns. Isso já é um ato político. Em uma sociedade que silencia, quem ouve já está resistindo. E quem compartilha, se torna aliado.
O ATL 2025 não é só uma pauta indígena. É uma pauta brasileira, planetária, urgente. É um chamado. E talvez, só talvez, ainda tenhamos tempo de atender.
Com a força de quem acredita que ouvir é o primeiro passo para mudar.
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