Partilhar é o caminho
- Marcelo Teixeira
- 20 de jan.
- 4 min de leitura
Deparei com uma charge da personagem Mafalda, genial criação do cartunista argentino Quino, que diz o seguinte: “Eu prefiro estar com os que lutam por direitos do que com os que lutam por privilégios”.
Dias antes, nas redes sociais, assisti a uma entrevista do ator Pedro Cardoso (o célebre Agostinho do seriado “A Grande Família”) em que ele observa o porquê de determinadas benesses científicas estarem restritas a uma pequena parcela da população mundial. Segundo ele, se, por exemplo, um medicamento revolucionário para o tratamento de uma doença é descoberto, ele é um bem público e precisa ser colocado imediatamente a serviço de toda a humanidade, e não ficar restrito somente a quem pode pagar por ele. O mesmo se daria, conforme ele observa muito bem, em relação à água, que é um recurso universal e, por isso, precisa estar acessível a todas as pessoas. Digo o mesmo em relação a alimentos, conhecimento, educação, cultura, lazer, esportes... Todos são bens de toda a humanidade e precisam ser universais. Por que, então, isso não acontece? A resposta, nem tão pura e simples, se resume a uma palavra: egoísmo.
Pai de todos os problemas de assolam a humanidade, o egoísmo gera o famigerado orgulho. Nele um grupo de pessoas se julga melhor que as demais pessoas porque tem dinheiro; professa dada religião; nasceu nesse ou naquele país, cidade ou bairro; possui tom de pele mais claro e por aí vai. Isso resultará em males como ganância, preconceito, exclusão social, violência e outras consequências com as quais, infelizmente, estamos acostumados a lidar. E cansados também.
Em o Novo Testamento, há um trecho muito interessante que ressalta a necessidade de nos pautarmos pela partilha se quisermos um mundo melhor para todos. Faz parte do Evangelho de S. Lucas, cap. 34, versículos 13 a 35.
Esse trecho narra a passagem na qual dois discípulos de Jesus caminhavam rumo ao povoado de Emaús. A crucificação já ocorrera. Enquanto conversavam a respeito de tudo que havia acontecido, um homem se aproximou e começou a andar com ambos. Em dado momento, perguntou sobre o que conversavam e ficou sabendo, pela voz entristecida da dupla, o que havia sucedido com o Cristo. Em seguida, contaram ao desconhecido as notícias sobre a suposta ressurreição. O andarilho, então, retrucou dizendo que era preciso que tudo acontecesse daquela forma. Narrou também várias passagens da vida do Cristo, o que trouxe alento aos interlocutores.
Já bem próximos a Emaús, os discípulos insistiram para que o homem, que fez menção de ir para outras bandas, ficasse com eles, pois já anoitecia. Ao sentarem à mesa, o desconhecido pegou o pão, deu graças a Deus e repartiu o alimento, entregando um pedaço para cada um. Assim que se deu o ato da partilha, ambos reconheceram que ele era Jesus. Ato contínuo, o Mestre desapareceu.
A lição contida nesse episódio é a seguinte: Jesus estará sempre presente quando houver partilha. Se não houver partilha, ele não se fará presente, mesmo quando se fale sobre ele ou em nome dele.
Outro célebre episódio bíblico que demonstra a importância da partilha é a Santa Ceia. Quando Jesus reparte o pão e o vinho e os distribui aos 12 apóstolos, está querendo dizer a mesma coisa: toda vez que eles estivessem reunidos e partilhando algo em nome do amor, ele, o Rabi, estaria com o grupo.
Fico pensando sobre os paraísos fiscais, locais em que a lei facilita a aplicação de capital estrangeiro, e do quanto de dinheiro acumulado eles devem guardar. Ao mesmo tempo, penso como seria bom se essa quantia, que deve ser altíssima e não é movimentada, fosse utilizada em prol da saúde, da educação e da segurança mundiais. Decerto, nosso mundo seria bem diferente do que vemos hoje.
Tomemos como exemplo o Brasil. Não haveria necessidade de aumentar o tempo de contribuição para aposentadoria, reduzir direitos trabalhistas, precarizar saúde e educação como já tentaram fazer... Isso se chama distribuição de renda, ou melhor, partilha, melhor ainda, Jesus entre nós, repartindo o pão por intermédio de um sistema mais justo, que atenda às necessidades de todos.
Por que as empresas transferem os lucros para paraísos fiscais? Para reduzir contas, ou seja, pagar menos taxas, impostos, já que a leis desses locais costumam livrar o capital estrangeiro de tributação. Por isso, o mercado financeiro acaba dando as cartas em boa parte dos governos. Assim, os lucros ficam garantidos enquanto a população vê direitos básicos serem reduzidos drasticamente para que os rentistas (pessoas que vivem de especulações financeiras e rendimentos) obtenham cada vez mais lucros e dividendos e os transfiram, livres de impostos, para os tais paraísos.
Assistindo, recentemente, ao pronunciamento de Donald Trump, que retorna à Presidência dos Estados Unidos justamente hoje, senti uma tristeza e uma indignação profunda. Ele foi explícito: “Chega de diversidade e inclusão”. Em suma: retomemos o direito de sermos machistas, misóginos, racistas, homofóbicos, xenófobos, aporofóbicos... Sejamos egoístas sem sermos incomodados. Deixemos que as melhores oportunidades de trabalho, renda, estudo, saúde e afins sejam privilégio somente de pessoas brancas com pescoço vermelho e cara de abóbora feito ele.
De nossa parte, aqui no Brasil, lutemos por mais inclusão e diversidade e para que nos libertemos da síndrome do colonizado que os EUA impingem ao resto do mundo. Podemos e devemos fazer um caminho diferente, que é o caminho da partilha para que a vida seja abundante para todos.
Marcelo Teixeira
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