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Réquiem para Ziraldo

Marcelo Teixeira

Atualizado: 8 de abr. de 2024





Sou formado em publicidade em propaganda desde 1992. O curso de jornalismo, no entanto, veio anos depois. Mais precisamente, em 2006. Além de redigir para publicidade, já vinha trabalhando com assessoria de imprensa e comunicação. Por isso, com 43 anos, voltei aos bancos universitários das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha) para cursar habilitação em jornalismo.

 

  O ano seguinte, 2007, me pegou de supetão de várias formas. Fiquei desempregado, perdi meus dois irmãos (Marcus e Sandra) para o câncer, assumi a guarda da Jéssica, minha sobrinha, então com 15 anos (minha irmã era mãe solteira), e passei a ajudar na formação do Rafael, meu sobrinho (ele estava com oito anos), filho do Marcus. Tudo isso no primeiro semestre, aquele em a que faculdade mais me exigiu.

 

O segundo semestre veio mais tranquilo em termos acadêmicos e também com a disciplina redação e produção em TV, ministrada pelo grande Geraldo Mainenti, que atuava nos bastidores da Rede Globo. Lembro até hoje quando ele anunciou qual seria a prova de meio de semestre: entrevistar, com todo o aparato televisivo, um artista consagrado, ou seja, alguém que já tivesse uma carreira consolidada e importante para a cultura do país. Fomos divididos em grupos, e lembro-me que fiquei sendo o único homem entre quatro ou cinco meninas.

 

Começamos a sondar possíveis nomes que poderíamos entrevistar, bem como o modo de chegar até eles. Sugestão vai, sugestão vem, chegamos ao cartunista Ziraldo. Uma das integrantes conhecia alguém próximo a ele. O passo seguinte seria decidir quem faria o quê: produção, direção, gravação... A mim, por ser mais velho e conhecer o trabalho do Ziraldo há mais tempo, couberam o roteiro da entrevista, a formulação das perguntas e a entrevista propriamente dita. Adorei o desafio e, embora já fosse fã de vários de seus personagens (Supermãe; Jeremias, o Bom;, Menino Maluquinho etc.), de “O Pasquim” e do programa de entrevistas que ele conduziu por muitos anos na TVE, parti para a pesquisa, a fim de descobrir mais curiosidades. Entre elas, o hábito que ele possui de vestir coletes.

 

Quando avisei em casa que entrevistaria o Ziraldo, Rafael, que à época dizia que seria escritor, pediu que eu fizesse a ele a seguinte pergunta: “o que é ser escritor?” Deixa, comigo – disse eu.  

 

No dia e horário aprazados, lá estávamos nós, os futuros jornalistas, no apartamento dele, no bairro da Lagoa, Zona Sul carioca. Como ele tinha outro compromisso, percebi que não poderia fazer todas as perguntas por mim elaboradas e fui conciso. Mas como eu era mais velho e conhecia bem o trabalho dele, felizmente as perguntas estavam objetivas e recheadas de conteúdo, que ele respondeu com prazer. Gostou tanto que, em dado momento, elogiou muito o trabalho do grupo, pois já havia sido entrevistado por outros estudantes que pouco sabiam a respeito dele e só serviram para irritá-lo.

 

Mas como nem tudo são flores na vida, em dado momento mandei uma pergunta que ele não gostou. Perguntei qual havia sido a sensação de ter tomado conhecimento de que um astronauta americano havia dito que a cor da lua era “Flicts”. Explico: “Flicts” é uma das mais incensadas obras do Ziraldo. Um livro infantil sobre a história de uma cor que não encontra nada que tenha a cor dela. Tudo é azul, vermelho, verde, roxo, amarelo, rosa, branco, cinza, preto... Menos “Flicts”. Ziraldo olhou sério para mim e disse para que eu não fizesse mais esse tipo de pergunta, pois era óbvio que a sensação havia sido boa. Lembrei-me das vezes em que ouvi (e ouço até hoje) jornalistas consagrados sacarem essa pergunta da manga e guardei a lição que ele me passou de forma enérgica, mas carinhosa, pois percebeu que eu e as meninas do grupo estávamos mostrando potencial. Pois é, tive o privilégio de receber tanto o primeiro elogio como o primeiro cartão amarelo do Ziraldo. É um tesouro que guardo no fundo do coração.

 

Para encerrar, formulei a pergunta do meu sobrinho. Antes, porém, disse a Ziraldo que meu irmão havia falecido e que o Rafael, além de querer ser escritor, era seu fã. Então, mandei na lata: “Ziraldo, o que é ser escritor?” Resposta: “é ser o que o Rafael vai ser!”

 

Quando estávamos de saída, ele nos disse que sempre escolhia alguém do grupo para dar um livro de presente. Mas como ele gostara muito da pergunta do Rafael, autografou o livro para ele e me entregou. “Leva para o Rafael”. Agradeci, entre lisonjeado e comovido. Inesquecível!

 

Hoje, quando soube da partida dele rumo a planos mais elevados, fiz questão de contar essa história. Ziraldo Alves Pinto faz parte da minha vida afetiva e profissional. Meu primeiro entrevistado como jornalista. Que sorte eu tive! Tenho certeza que ele verá a lua de perto e atestará que ela, de fato, é “Flicts”. Decerto o plano espiritual também é. E também o amor, o talento, a inteligência, a combatividade, a criatividade. Vai ser “Flicts” para tudo quanto é lado. Ele merece!

 

Vá com Deus, Ziraldo! Te amo profundamente, meu eterno Menino Maluquinho!


Marcelo Teixeira

 

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