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Marcelo Teixeira

Um choro solitário na sala de cinema

 

A data, até então, não me chamava atenção, confesso. Só atentei para ela recentemente. Falo do 17 de maio, que é o Dia Internacional contra a Homofobia.

 

Assunto mais que necessário o combate à homofobia. Principalmente no Brasil, onde ocorre uma morte de homossexual a cada 38 horas (entre homicídios e suicídios), segundo divulgado pela série “De toda cor”, produzida pelo “Jornal das Dez,” do canal de TV “Globonews”.

 

Fui adolescente na década de 70 e jovem na década de 80. Na primeira, havia muito preconceito. Era muito comum ver garotos sendo perseguidos e ridicularizados na escola simplesmente porque não eram bons em futebol e preferiam pular corda. Já era suficiente para serem tachados de mulherzinha e por aí vai. Já os anos 80 testemunharam o surgimento da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids, na sigla em inglês). Equivocadamente apelidada, no início, de peste gay, a Aids levou gente como o ator Lauro Corona e o cantor Cazuza. Ao mesmo tempo, trouxe o assunto vida sexual para a mesa do jantar em família. Lembro até hoje de uma reportagem que mostrou a iniciativa de um pai, que reuniu filhos, filhas e esposa em volta da mesa, pegou uma cenoura e mostrou aos rebentos como se colocava e retirava uma camisinha de um pênis ereto; atitude pouco provável uma década antes, em que a ditadura militar ajudava a reforçar uma série de tabus.

 

De lá para cá, houve vários avanços sociais, comportamentais, legislativos... Apesar disso, o homossexual, embora transite com mais tranquilidade em certas regiões de cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador, ainda é alvo de preconceitos e repressões, principalmente fora dos grandes centros urbanos. Os números apresentados há algumas linhas corroboram o que digo.

 

A frase que dá título a esta crônica vem de um episódio vivido por mim em fevereiro de 2006, quando estreou, no Brasil, o filme “O Segredo de Brokeback Mountain”, produção norte-americana de 2005. Trata-se da história de Jack e Ennis, dois caubóis que, na década de 60, se apaixonam e vivem um tórrido romance, que tem início na montanha que dá título à obra.  Presos às convenções e preconceitos da época e pobres de dar dó, ambos sufocam a relação. Não conto mais para não dar “spoiler”.

 

Assisti à película no dia de sua estreia no Brasil – 3 de fevereiro. Lembro bem porque trabalhava e estudava na Cidade Maravilhosa. Aproveitei que estava pela Praia de Botafogo e fui a um complexo cinematográfico. A sala que exibia “O Segredo de Brobeback Mountain” estava lotada.  

 

Quando terminou a sessão e todos os espectadores desciam as escadas para deixar o cinema, ouvi um choro copioso. Um choro sentido. Um choro de um homem emocionado. Talvez o choro de um homem frustrado, solitário, desesperançado... Decerto, um choro de alguém que teve uma história de amor semelhante à que acabáramos de ver na tela. Uma história de dois homens fortes, bonitos e viris que se apaixonam e, devido ao preconceito, repressão etc., acabam sufocando o sentimento, a atração e passam a viver vidas solitárias ou mentirosas ao lado de mulheres, que também sofrerão por viverem um casamento de aparências.  


Aqueles soluços me tocaram profundamente. Ainda não é comum homens chorarem, principalmente em espaços públicos e do jeito que ele chorava. Tive gana de olhar para trás e fitar-lhe o semblante. Quem sabe até, perguntar se ele queria um café, um papo ou um ombro amigo para desabafar. No entanto, o respeito e o temor de ser indiscreto me detiveram.

 

No livro “Estamos prontos” – psicografado por Francisco do Espírito Santo Neto – o espírito Hammed tece importantes considerações sobre homossexualidade e bissexualidade. Diz ele que a reencarnação pressupõe respeito entre as criaturas. Afinal, no momento em que nos reconhecemos como espíritos que já passaram por várias encarnações, devemos respeitar a história atual de cada ser, uma vez que ela têm a ver com experiências pregressas que escapam ao nosso entendimento. Por isso, respeitar significa viver em “uma sociedade mais justa e igualitária”. Infelizmente, não é o que acontece com os Ennis e Jacks, sejam eles da ficção ou da vida real, vítimas constantes de toda sorte de violências físicas e psicológicas. O resultado é gente solitária, obrigada a vestir a máscara da hipocrisia para seguir adiante ou optar pelo choro sentido da solidão, como o que testemunhei. Ainda bem que tem havido muito progresso para que os homossexuais sejam aceitos e integrados. A luta pela igualdade e aceitação, no entanto, ainda aguarda muitos embates pela frente.

 

Jamais saberei quem era o homem que chorava de forma tão sentida. Era branco, negro, jovem, maduro, idoso, bonito, feio, alto, baixo, casado, solteiro...? Era apenas alguém vítima de um preconceito que precisa ter fim. Só assim todas as pessoas poderão viver suas orientações sexuais sem medo de serem expulsas de casa, rechaçadas no ambiente de trabalho, agredidas ou até mortas.

 

Até hoje, aquele choro que ouvi pela retaguarda quando saía do cinema me põe a pensar!



Marcelo Teixeira

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