Um Dia de Finados inusitado
- Marcelo Teixeira
- 20 de out. de 2024
- 3 min de leitura
Costumo ir a cemitérios por ocasião de enterros. Sempre acho de bom tom demonstrar solidariedade, despedir-me de pessoas queridas etc. Mas nunca liguei de ir ao cemitério no Dia de Finados. Como espírita, sei que nossos entes queridos não estão (ou não deveriam estar) por lá, embora a palavra cemitério (do latim coemeterium) signifique dormitório. Só que não há ninguém dormindo dentro das sepulturas! Se todos que já morreram se desprenderam dos despojos físicos na boa, não têm nada que ficar vagando pelas quadras e aleias das necrópoles. A vida segue, e muito mais intensa e rica de possibilidades além-túmulo, creiam. Por isso, ficar vagando por aqui, ainda mais entre mausoléus e catacumbas, é estacionar no tempo.
A proximidade do Dia de Finados, no entanto, me fez lembrar uma história curiosa pela qual passei no cemitério da minha cidade num 2 de novembro, não me lembro de qual ano. Já tem um tempo.
Meus irmãos (Sandra e Marcus) já haviam morrido. Idem meu pai, avós e alguns tios. Minha mãe, que estava idosa e gostava de visitar o local no Dia dos Mortos, me pediu que eu a acompanhasse. Fui a contragosto, mas resignado.
O Cemitério Municipal de Petrópolis fica nos dois lados da Rua Fabrício de Mattos, no Centro. Não existe, portanto, um portão principal, mas vários portões. E por haver uma rua no meio, nessa data ela é fechada e tomada por várias barracas de floristas.
Parei com minha mãe numa barraca, compramos algumas flores e rumamos para os túmulos que ela queria visitar. O dia estava cinzento e ventava muito, lembro bem. Como não me lembrar daquele vento?
Primeiramente, fomos à sepultura da família do meu pai, onde minha irmã foi enterrada. Minha mãe colocou um buquê de flores e fez uma prece.
Depois, rumamos para o jazigo da família do pessoal do lado materno, onde foram enterrados meu pai, meu irmão e os demais já citados. Minha mãe depositou as flores e começou a dar uma arrumada básica na decoração. Afinal, é o túmulo do pessoal dela. E é onde ela está enterrada, já que faleceu em 2018.
Enquanto ela ajeitava tudo a seu gosto, comecei a olhar em volta. Foi quando me deparei com algo inusitado num jazigo próximo: um incêndio.
O vento intermitente havia derrubado uma vela acesa em cima de um vaso (plástico) de violeta que alguém deixara no túmulo. Como eu não tinha nada para fazer, resolvi dar uma de bombeiro. Avistei uma garrafa d’água que servia de jarro para algumas flores em outra sepultura próxima. Tirei as flores, joguei a água no vasinho e apaguei o fogo. Só que, nessa, molhei as duas velas que estavam no túmulo. Avistei velas acesas em outras tumbas ao redor e fui lá acender as que eu havia apagado. O vento, contudo, havia derrubado e apagado outras tantas velas. Com paciência e achando divertida a situação, ergui e acendi todas, inclusive as duas que molhei e que coloquei de volta ao lado do vasinho, com o cuidado de escorá-las (nem lembro mais com o quê) a fim de que não causassem outro pequeno incêndio.
Quando terminei essa parte, me dei conta que havia deixado vazia a garrafa d’água. Lembrei-me de uma bica que havia avistado nas imediações e fui encher a garrafa. Quando terminei, avistei, em outro jazigo, uma garrafa vazia e tombada pelo vento. As flores (palmas, se não me engano) estavam todas esparramadas. Tentei arrumar tudo, mas o vento e o peso das palmas fizeram a garrafa cair. Voltei na bica e enchi essa outra garrafa. O peso da água fez com que ela ficasse de pé. Mesmo assim, escorei o arranjo de flores num canto estratégico da campa.
Foi então que minha mãe me chamou e perguntou o que eu estava fazendo andando para lá e para cá. Disse que havia ido erguer algumas velas que o vento derrubara. Em seguida, fomos para casa.
Até hoje dou risadas quando me lembro desse episódio. Como diz uma amiga minha, banquei o zelador de cemitério. Espero que as almas que porventura lá se encontravam tenham ficado agradecidas por eu ter arrumado a bagunça que o vento fez. Na hora, confesso, fiquei com pena de quem esteve no local mais cedo para enfeitar os túmulos.
Tenho outra história insólita ocorrida em cemitério, mas não foi no Dia de Finados. Contarei na próxima semana.
Marcelo Teixeira
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