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  • Marcelo Teixeira

Uma chaga social chamada machismo

            Era o ano de 1980. Lá estava eu, numa turma de cursinho, me preparando para prestar vestibular pela primeira vez. Quase todos nós, os vestibulandos, estávamos com 17-18 anos. Digo “quase” porque havia algumas pessoas um pouco mais velhas. Entre elas, Ângela. Não sei exatamente qual era a idade dela. Só sei que ela era casada, tinha uma filha de cerca de cinco anos e prestaria vestibular pela primeira vez. Queria realizar o sonho de entrar para a faculdade. 





 

            Terminado aquele ano, todos se dispersaram e nunca mais tive notícias de Ângela. Até que, três anos depois, soube, por uma colega em comum que encontrara num evento, que Ângela havia passado no vestibular, mas que não havia entrado para a faculdade porque o marido não deixara.

 

            Volto alguns anos – década de 1970 – para rememorar histórias que ouvi ou que presenciei na adolescência. Havia ido à Secretaria de Turismo de Petrópolis para realizar um trabalho escolar e testemunhei, sem querer, um diálogo entre uma funcionária e uma bela moça, que havia sido convidada para representar a Cidade Imperial num evento de beleza. A interpelada disse que tinha muita vontade de participar, mas declinava do convite porque o namorado não iria consentir.

 

            Parentes meus, nessa mesma década, costumavam contar a história de Suely, casada e mãe de duas filhas. Ela havia prestado concurso público, passara nas provas e não tomou posse porque o marido não permitiu. Meses depois, ele largou a família e foi morar com outra. Suely tentou novamente, em novo concurso, mas não passou. Tios meus diziam que, se não fosse pelos pais, Suely, que fora trabalhar no comércio, estaria no sufoco junto com as filhas. Tudo por causa das diatribes de um marido boçal. 

 

            Essas histórias estavam arquivadas em minha memória. Vieram à tona em 2021, quando da estreia do programa “The Voice+”, destinado a cantores com mais de 60 anos. Algumas mulheres que dele participaram narraram episódios parecidos. Cantavam quando eram jovens, tomaram parte de programas na TV e no rádio, gravaram discos, mas tiveram de abandonar a carreira quando casaram porque foram pressionadas pelo marido: – Ou eu ou a carreira! –, disseram eles. Anos depois, lá estavam elas, viúvas, separadas ou com o marido colocado em seu devido lugar, recuperando o tempo musical que lhes foi negado pelo machismo.

 

            Olho ao redor. Um trintão casado pai de menina diz que aquela novinha de 15 anos da academia de ginástica é uma delícia e que ele tem vontade de lhe tirar a virgindade. Os casos de feminicídio estão cada vez mais em voga. Uma deputada estadual de SP é assediada e importunada sexualmente por um colega (dezembro de 2020). Como consequência, ele é expulso do partido a que pertence e é que condenado, pela Justiça de SP, a uma pena que é convertida em prestação de serviços comunitários e multa. Mulheres são assediadas em coletivos, pontos de ônibus, shoppings e afins. Se uma mulher é estuprada, muitos dizem que ela estava pedindo para sê-lo por causa da roupa que usava, do local onde estava ou similar.

 

                Este artigo intitula o machismo como uma chaga social.  E é. A mulher ainda não é vista por muitos homens como alguém que merece respeito, mas como um corpo sobre o qual os elementos do sexo masculino têm posse. Dessa forma, podem tocar no corpo feminino à hora que quiserem e como bem entenderem. Podem também dispor sobre seu destino profissional, gostos pessoais... E podem até bater, estuprar ou matar mulheres caso sejam contrariados.

 

                Em 8 de março, o mundo celebra o Dia Internacional da Mulher, data que surgiu no início do Século XX em meio a protestos femininos em prol de melhores condições de trabalho e direito ao voto feminino. Décadas depois, a Organização das Nações Unidas (ONU), oficializou a data, que é comemorada em mais de 100 países.

 

                Muitos talvez indaguem por que a necessidade de haver um dia dedicado às mulheres. Motivo: para conscientizar cada vez mais os homens e também as mulheres que urge superarmos a estrutura machista e patriarcal que ainda: 1) coloca a mulher ganhando menos que o homem, embora ambos exerçam o mesmo cargo profissional; 2) criminaliza a mulher que aborta e não alcança o homem que a engravidou e a deixou sozinha; 3) passa a mão por cima dos homens em casos como o da deputada paulista; 4) faz as mulheres serem vítimas constantes de violência etc. E como há etc. em casos de machismo!

 

                A data também serve para mostrar que chagas como o machismo são difíceis de serem curadas. É um trabalho que leva gerações e que depende de muito diálogo, educação de base, mobilização, mudança de mentalidade, reestruturação histórica e social e luta por direitos.

 

                A peleja já dura anos e tem rendido debates, protestos, denúncias, conquistas... Por isso, o 8 de março se faz presente, feito um arado que não pode parar de trabalhar.

 

Marcelo Teixeira

 

 

BIBLIOGRAFIA:

 

1-    BRONZE, Giovanna – Vídeo mostra assédio sexual contra deputada durante sessão na Alesp. Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2020/12/17/video-mostra-assedio-sexual-contra-deputada-durante-sessao-na-alesp

2-    CRUZ, Elaine Patrícia – Ex-deputado paulista é condenado por importunação sexual a colega. Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2023-12/ex-deputado-paulista-e-condenado-por-importunacao-sexual-colega

3-    JORNAL NACIONAL – Deputado acusado de importunação sexual contra colega Isa Penna recebe pena mais branda. Disponível em https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2021/03/05/deputado-acusado-de-importunacao-sexual-contra-colega-isa-penna-recebe-pena-mais-branda.ghtml

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