[CRÍTICA] NAS TERRAS PERDIDAS (2025): entre a escuridão, o desejo e o preço do poder
- Manu Cárvalho
- 18 de abr.
- 5 min de leitura
LUZ, CÂMERA, CRÍTICA! — Por Manu Cárvalho

Algumas histórias não são feitas para serem apenas assistidas — elas pedem para ser sentidas, desconstruídas, desafiadas. Nas Terras Perdidas (2025), novo filme do diretor Paul W. S. Anderson, faz parte desse raro grupo. Adaptado de um conto de George R. R. Martin, o criador de Game of Thrones, o longa mergulha fundo no terreno da fantasia sombria e filosófica, desafiando o público com perguntas incômodas: até onde você iria por aquilo que mais deseja? E quando o preço é sua própria alma, você pagaria?
Com direção estilizada, atuações imponentes e uma estética arrebatadora, o filme é um épico diferente: menos sobre batalhas, mais sobre escolhas. E, nesse labirinto de decisões, o espectador também é convidado a se perder.
Sinopse: uma feiticeira, um caçador e o desejo que move reinos
A história gira em torno de Gray Alys, uma feiticeira temida, misteriosa, e profundamente solitária. Vivida por Milla Jovovich com uma entrega física e emocional surpreendente, Alys é contratada por uma rainha poderosa para recuperar o segredo da transmutação — a capacidade de se tornar outra coisa, de trocar de forma, de cruzar limites.
Ao seu lado está Boyce, um caçador rude, interpretado por Dave Bautista, que funciona como guia, guarda-costas e, aos poucos, confidente. Juntos, eles embarcam numa jornada pelas Terras Perdidas, uma região mágica e esquecida, onde os vivos e os mortos andam lado a lado, onde a floresta fala, e onde os desejos se tornam realidade — mas nunca da forma esperada.
Direção: Paul W. S. Anderson fora da sua zona de conforto
Conhecido por dirigir a franquia Resident Evil, Paul W. S. Anderson abandona aqui o ritmo acelerado e as explosões constantes para mergulhar num estilo mais contemplativo, atmosférico e — por que não dizer? — quase poético. Em Nas Terras Perdidas, ele troca o terror pelo silêncio, a velocidade pela profundidade.
O resultado é um filme que respira, que dá espaço para seus personagens sentirem, hesitarem, sangrarem. É uma mudança ousada, e que pode dividir opiniões. Para quem espera um blockbuster cheio de ação, pode parecer lento. Para quem busca uma experiência mais imersiva, é um acerto.

Visualmente impactante: uma fantasia que queima devagar
Do ponto de vista estético, Nas Terras Perdidas é uma obra de fôlego. Usando a Unreal Engine — uma das tecnologias mais avançadas de renderização digital — o filme constrói cenários que oscilam entre o real e o onírico. As florestas ganham vida, os céus têm textura, e os monstros... são metáforas.
A cinematografia de Glen MacPherson capta esses espaços com inteligência. Os planos abertos exploram a vastidão das Terras Perdidas como um deserto de possibilidades, enquanto os close-ups mergulham na intimidade dos personagens. É um filme que ora assusta, ora acalma — mas nunca permite distração.
Alyssa e Boyce: dois lados da mesma escolha
Talvez o maior acerto do longa esteja na relação entre os protagonistas. Milla Jovovich entrega aqui sua performance mais introspectiva. Sua Gray Alys é menos bruxa do que humana. Há uma tristeza ancestral em seu olhar. Ela não tem o brilho de uma heroína. Mas tem a convicção de quem já viu tudo — e ainda assim continua buscando algo.
Dave Bautista, por sua vez, brilha ao interpretar Boyce. A força física do ator contrasta com a vulnerabilidade emocional do personagem. Ao longo da jornada, o caçador revela camadas que vão além do clichê do “homem bruto”. Ele é, na verdade, o personagem mais moral do filme. O que nos obriga a pensar: será que o verdadeiro herói é aquele que escolhe não fazer magia?
A dinâmica entre os dois é marcada por tensão, cumplicidade e silêncio. Eles quase não se tocam — mas se entendem. São duas almas feridas tentando sobreviver a um mundo que só oferece promessas quebradas.

A filosofia por trás da fantasia: o desejo como maldição
Nas Terras Perdidas é, no fundo, uma história sobre o desejo. Cada personagem tem o seu: a rainha quer mudar seu corpo para poder amar; Alys quer ser aceita como humana; Boyce quer encontrar sentido para a dor. E é nesse caldo de desejos que o filme se desenrola.
Mas, como em todo conto de fadas sombrio, o desejo tem um preço. E aqui ele é cobrado com juros. George R. R. Martin nunca foi um autor que acredita em finais felizes — e o roteiro mantém essa lógica. Não espere redenção. Espere reflexão.
Essa abordagem torna o filme denso. Há monólogos longos, pausas dramáticas, silêncios que gritam mais do que os feitiços. Para quem embarca nessa proposta, o impacto é profundo.
Arly Jover e os antagonistas da escuridão
O elenco de apoio também merece destaque. Arly Jover, como Ash, a antagonista que persegue Alys com fanatismo, entrega uma performance afiada. Sua personagem representa o lado opressor do poder: o que acredita que o certo deve ser imposto, não compreendido.
Amara Okereke, no papel da Rainha Melange, aparece menos, mas marca presença. Sua vaidade é humana, sua ambição é trágica. Ela não é vilã — é apenas uma mulher tentando ser amada, custe o que custar.
Esses personagens secundários são importantes porque mostram como o mundo de Nas Terras Perdidas é povoado por figuras quebradas. Ninguém é completamente bom ou mau. Todos estão tentando sobreviver.
Trilha sonora: silêncio e magia
A música composta por Tom Holkenborg (Junkie XL) é minimalista, mas eficaz. Ao invés de grandes trilhas épicas, ele aposta em sons orgânicos, notas esparsas, tambores tribais e cantos distantes. A trilha serve para ampliar a atmosfera. Ela não guia o espectador — ela o perde.
Em cenas de clímax, a música se mistura ao som ambiente: vento, folhas, suspiros, magia sendo conjurada. Há momentos em que o silêncio é total. E é nesses momentos que o filme mais fala.

Recepção crítica e público: uma obra que divide
Desde sua estreia, Nas Terras Perdidas tem provocado reações intensas. No Rotten Tomatoes, o filme tem 17% de aprovação, o que mostra a divisão entre críticos. Alguns apontam o ritmo lento como problema. Outros acham que o visual se sobrepõe à história. Mas há também quem veja o filme como uma obra corajosa, que resiste ao óbvio.
Entre o público, o impacto é similar. Há quem o compare a A Lenda do Cavaleiro Verde, por sua proposta contemplativa. Outros o relacionam a The Witcher, pelo universo sombrio. Mas o consenso é um só: Nas Terras Perdidas é um filme que você sente. E isso, para o bem ou para o mal, é raro hoje.
NAS TERRAS PERDIDAS: Um épico sobre escolhas e consequências
No fim, Nas Terras Perdidas não é sobre bruxas, reinos ou batalhas. É sobre o que acontece quando pedimos algo que talvez nunca devêssemos desejar. É sobre como o amor pode corromper. Como a ambição pode destruir. Como até mesmo a magia, quando usada sem consciência, se volta contra quem a conjura.
É um filme sobre pessoas tentando ser mais do que o mundo permite. E, nesse esforço, se perdendo.
Se você procura um filme que te distraia, talvez não seja essa a melhor escolha. Mas se está disposto a refletir sobre o que é verdadeiramente poderoso — a resposta pode estar escondida nas terras perdidas.
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