top of page

[CRÍTICA] Homem com H: uma celebrante ousada e íntima de Ney Matogrosso

LUZ, CÂMERA, CRÍTICA! — Por Manu Cárvalho

Homem com H
Foto: reprodução/Divulgação/Paris Filmes

No universo das cinebiografias, há uma linha tênue entre a reverência ao ícone e a construção de uma narrativa que humaniza o sujeito. Homem com H, dirigido por Esmir Filho, consegue transcender essa linha ao não apenas contar a história de Ney Matogrosso, mas ao criar um espaço onde sua identidade como ser humano e artista se encontram, se mesclam e se confrontam. O filme, que estreou em 1º de maio de 2025, mergulha no universo de um dos maiores ícones da música brasileira, mas o faz de uma maneira visceral, verdadeira e, acima de tudo, respeitosa.


Não se trata apenas de uma viagem através dos anos dourados da música brasileira ou de uma sucessão de episódios de sua carreira repleta de conquistas. Em vez disso, Homem com H é uma jornada pela alma de Ney, e é exatamente essa humanidade que o filme explora com tanto zelo e sofisticação. Ao adentrarmos a vida de um dos maiores nomes da música, somos apresentados não ao mito, mas à pessoa que, com seus dilemas, inseguranças e medos, construiu uma carreira monumental que até hoje reverbera.


Com uma direção que é, ao mesmo tempo, sutil e intensa, Esmir Filho tece uma narrativa onde o principal protagonismo não está nos grandes momentos da carreira de Ney, mas nas emoções que ele viveu antes de ser a estrela que todos conhecemos. O filme começa com uma representação delicada da sua infância em Bela Vista, no Mato Grosso do Sul, onde ele já mostrava sinais de uma inquietação que o definiria por toda a vida. O jovem Ney, vivido com incrível sensibilidade por Jesuíta Barbosa, revela desde cedo um desejo avassalador de se libertar das amarras que a sociedade impunha a ele, e, por consequência, de sua própria identidade.


Homem com H
Foto: reprodução/Divulgação/Paris Filmes

A narrativa vai além da simples cronologia dos fatos e se foca, com detalhes minuciosos, na construção desse ser inquieto, buscando se afirmar. Não se trata de um Ney já famoso, mas de um jovem que encontra na arte e na música a única forma de traduzir sua alma e seus anseios. A relação que ele estabelece com sua família, com os outros personagens e, principalmente, consigo mesmo, são o cerne do filme, e é onde ele se encontra emocionalmente mais vulnerável. O filme nos leva, então, a essa jornada pela descoberta de uma identidade, ao longo dos anos, em que a música se torna uma forma de resistência, um escape do mundo que, com suas limitações e repressões, tentava moldá-lo.


Homem com H
Foto: reprodução/Divulgação/Paris Filmes

O elenco de Homem com H é um dos grandes trunfos da produção. Jesuíta Barbosa não apenas encarna Ney Matogrosso, ele o interpreta de uma forma tão profunda que podemos sentir a angústia e a efervescência que caracterizaram o artista. O ator consegue captar, com uma delicadeza impressionante, o paradoxo que é ser uma figura pública de tamanha grandeza e, ao mesmo tempo, uma pessoa profundamente marcada por suas próprias questões e inseguranças.


Ao lado de Barbosa, Bruno Montaleone e Jullio Reis dão vida aos amores de Ney, Marco de Maria e Cazuza, respectivamente. Montaleone, no papel de Marco, oferece uma interpretação comovente e cheia de nuances. Seu relacionamento com Ney é apresentado com uma sinceridade crua, mas também com a ternura de quem entende as limitações do amor, da amizade e da própria vida. Já Jullio Reis, interpretando Cazuza, é responsável por uma das performances mais tocantes do filme, capturando a intensidade da relação entre os dois artistas, marcada por momentos de paixão, mas também por desencontros e desafios. A química entre os três atores é palpável e contribui para que, mais do que uma biografia sobre Ney, o filme seja também um retrato do Brasil de uma época conturbada, onde as relações pessoais, as escolhas artísticas e as angústias individuais não podiam ser dissociadas de um contexto político repressivo.


Homem com H
Foto: reprodução/Divulgação/Paris Filmes

Falando em contexto, Homem com H não se esquece de que Ney Matogrosso não foi apenas uma estrela pop da música brasileira. Ele foi um ícone de resistência, um verdadeiro transgressor, que ousou desafiar não apenas os limites da música, mas também as normas sociais que tentavam aprisioná-lo. O filme nos transporta para o período da ditadura militar, quando o grupo Secos & Molhados, do qual Ney fez parte, foi um verdadeiro grito de liberdade em meio a uma nação silenciada. O impacto de Ney e sua arte ultrapassaram os palcos, e o filme traz com imersão os embates e o enfrentamento da censura, criando um espaço poderoso onde a música, como forma de expressão, se tornou uma maneira de protestar e resistir.


O grande mérito de Homem com H, no entanto, é não ter medo de mostrar as falhas de Ney, suas inseguranças e momentos de fraqueza. A figura do artista é humanizada, e o filme se recusa a idealizar ou a colocar sua vida sob um pedestal inatingível. Não, o Ney de Homem com H é um homem real, cheio de contradições, como qualquer outro, mas com uma coragem imensurável para ser ele mesmo, independentemente dos custos. O filme reflete isso em cada cena, em cada escolha estilística, seja na forma como os atores entregam suas falas, seja na forma como a cinematografia reflete os contrastes de uma vida cheia de sombras e luzes.


O diretor Esmir Filho, com seu olhar atento e sensível, faz um trabalho primoroso ao equilibrar a biografia do cantor com a profundidade emocional da sua jornada pessoal. O filme, longe de ser uma mera encenação dos grandes momentos de sua carreira, é uma representação da evolução do ser humano, desde a inocência da juventude até a complexidade da maturidade. É uma biografia que, ao invés de se prender a uma cronologia rígida, segue o fluxo do coração de Ney, suas dores, suas superações, suas escolhas. A forma como a narrativa é conduzida nos permite explorar sua psique e suas emoções, e isso é feito com uma agudeza que transcende o filme de época e se torna uma introspecção sobre o ser humano em sua busca pela verdade.


Homem com H
Foto: reprodução/Divulgação/Paris Filmes

A fotografia do filme é outro destaque importante. As cores quentes e frias ajudam a dar profundidade à narrativa, e a montagem, por vezes intercalada, entre o passado e o presente, cria uma sensação de urgência emocional. A música de Ney Matogrosso, com sua potência, não é apenas uma trilha sonora, mas um personagem à parte, conduzindo o filme com sua energia e sua força. As canções de Ney, em particular “Rosa de Hiroshima” e “Homem com H”, são perfeitamente inseridas na trama, como ecos de uma época e como símbolos de resistência.


Homem com H é, em última análise, um retrato honesto e imersivo da vida de um homem que foi muito mais do que um cantor. Ney Matogrosso é, sem dúvida, um dos maiores nomes da música brasileira, mas também é um símbolo de liberdade e resistência, e o filme o homenageia com um olhar sensível e profundo. Ao humanizá-lo, o filme nos ensina sobre a importância de sermos verdadeiros com quem somos, não importa o preço a pagar.


⭐ NOTA: 5 de 5 estrelas

Comments

Rated 0 out of 5 stars.
No ratings yet

Add a rating
bottom of page