A filha do samba fará o tempo parar: Eliane Faria celebrará 60 anos de vida e resistência no palco do Teatro Rival
- Da redação

- 7 de ago.
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Ao lado de Tia Surica, Áurea Martins e Jane Duboc, cantora prestará uma homenagem à ancestralidade feminina no samba e relembrará que a cultura popular é um território de luta, legado e afeto.

No dia 14 de agosto de 2025, às 19h30, o palco do histórico Teatro Rival Petrobras, no coração da Cinelândia, não será apenas um cenário de espetáculo: será altar, será terreiro, será sala de estar para gerações que cantaram, resistiram e dançaram em nome do samba.
É ali, cercada por memórias, melodias e mulheres de força imensurável, que Eliane Faria, filha do mestre Paulinho da Viola, celebrará seus 60 anos de vida e mais de 30 anos de carreira musical com um show inédito — intenso, simbólico e necessário.
Mais do que uma apresentação musical, o evento será uma verdadeira roda de afeto, resistência e reverência. E Eliane não estará sozinha. Dividirá o palco com três divindades vivas da música brasileira: Tia Surica, lenda da Velha Guarda da Portela, a sofisticada e subestimada Áurea Martins e a versátil e aclamada Jane Duboc.
“Esse show será o meu agradecimento à vida, à música e às mulheres que pavimentaram o caminho do samba com os pés descalços e o coração inteiro. Quero cantar como quem conta histórias que não podem ser esquecidas”, afirma Eliane, com a voz firme de quem sabe que cantar também é um ato político.
Tradição e ruptura: Eliane, a herdeira que escolheu ser autora
Filha de um dos nomes mais respeitados da música brasileira, Eliane Faria poderia ter seguido a sombra de Paulinho da Viola. Mas, ao contrário, escreveu seu próprio enredo com delicadeza e determinação, escolhendo trilhar um caminho onde o respeito pelas raízes nunca significou a ausência de identidade própria.
“Ser filha de um gênio é honra, mas também é desafio. O samba me escolheu antes mesmo que eu soubesse o que era nota musical. Eu precisei entender que a minha voz também tinha algo a dizer, além do sobrenome”, reflete Eliane.
Sua trajetória é marcada pela elegância vocal, pela afinação precisa e pela fidelidade ao samba como forma de expressão e cultura. Mas Eliane também ousou: misturou o clássico ao popular, o tradicional ao contemporâneo, a reverência à criação autoral.
Um repertório que conta o Brasil por dentro
O espetáculo trará clássicos do samba e da MPB que desenham, com palavras e sons, o retrato de um Brasil profundo — o Brasil que sofre, ama, resiste e samba:
“O show tem que continuar” (Arlindo Cruz, Sombrinha e Luiz Carlos da Vila)
“Recado” (Gonzaguinha)
“Rio” (Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli)
“Mas quem disse que eu te esqueço” (Dona Ivone Lara e Hermínio Bello de Carvalho)
“Folhas Secas” (Nelson Cavaquinho e Guilherme de Britto)
“O Sol Nascerá” (Cartola e Elton Medeiros)
“Se acaso você chegasse” (Lupicinio Rodrigues)
“Mulata Assanhada” (Ataulfo Alves)
Mas o público também será surpreendido com dois sambas autorais inéditos, carregados de lirismo e resistência:
“A Filha do Samba” (em parceria com o poeta Euclides Amaral)
“Força das Águas” (composta com Antônio Rômulo)
Mulheres no centro da roda
O show, pensado nos mínimos detalhes, será uma celebração da presença feminina na história do samba — uma história tantas vezes contada pelos homens, mas vivida, sustentada e renovada pelas mulheres.
“É muito simbólico dividir essa noite com mulheres que admiro e que mantêm viva a chama da nossa cultura. Cada uma delas representa um pilar desse templo chamado música brasileira”, declara Eliane sobre suas convidadas.
Quem são as convidadas especiais?
Tia Surica: Matriarca da Portela, símbolo da sabedoria ancestral do samba.
Áurea Martins: Voz sofisticada que atravessou décadas de preconceitos, injustiças e silêncios, sendo finalmente reconhecida por sua grandiosidade.
Jane Duboc: Dona de uma das vozes mais versáteis do Brasil, transitando do jazz ao samba com elegância.
Acompanhada por uma banda de excelência, Eliane terá ao seu lado músicos como José Roberto Leão (violão), Felipe Pedro (cavaquinho), Victor Neto (sopros), Darcy Maravilha (ritmo) e Márcio Sorriso (surdo). No coro, Márcia Duarte, Alcides Sodré e Michele Agra completarão o mosaico de sons.
Cantar para não esquecer: o samba como resistência cultural no Teatro Rival
O show acontecerá num momento em que a cultura popular brasileira vem sendo pressionada por lógicas de mercado, apagamento histórico e falta de incentivo público. Entre 2023 e 2024, segundo dados do Sistema Nacional de Cultura, apenas 3% dos recursos federais para projetos musicais foram destinados a manifestações tradicionais como o samba de raiz.
A ausência de visibilidade para artistas maduros e a centralização de investimentos em nomes pop também revelam um abismo etário e social na produção musical brasileira.
“É preciso garantir que a memória cultural do Brasil continue sendo contada por quem a viveu, por quem a construiu. Shows como esse são mais do que apresentações, são testemunhos de uma era, de um país que ainda pulsa em seus ritmos mais autênticos”, afirma a pesquisadora musical e curadora Sonia Diniz.
Por que precisamos estar lá?
Porque cada canção entoada por Eliane Faria será uma aula de história, um gesto de amor, uma resistência contra o esquecimento. Porque enquanto houver samba, haverá Brasil. Um Brasil possível, sensível, plural e profundamente feminino.
O Teatro Rival, espaço histórico de tantas lutas e encontros artísticos, será palco de uma noite que ficará guardada na alma de quem sabe que a cultura popular é bem mais do que entretenimento — é chão, identidade, raiz e reexistência.
Última nota: o convite que atravessa o tempo
O Brasil de 2025 ainda enfrentará apagamentos, desigualdades e ruídos de intolerância. Mas no dia 14 de agosto, ao menos por algumas horas, a esperança vai cantar alto, embalando corpos e corações com o que temos de mais genuíno: nossa música, nossas mulheres, nossa memória.
Então, que tal se perguntar:
Quantas histórias de mulheres como Eliane, Surica, Áurea e Jane ainda não ouvimos? Quantas vozes precisamos amplificar antes que o silêncio nos engula?
A roda girará. E você? Vai deixar passar ou vai ocupar seu lugar?
E aí, bora nessa?







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