Quando as Luzes se Apagam: O Colapso Silencioso das Salas de Cinema no Brasil
- Da redação

- 18 de jul.
- 3 min de leitura
Como a falta de regulamentação da janela cinematográfica ameaça a cultura brasileira — e por que isso importa para todos nós.

Era uma vez um filme que não teve tempo de encontrar seu público.
Ele saiu da sala de cinema tão rápido quanto entrou. Não por fracasso de bilheteria. Não por rejeição popular. Mas, porque, em menos de 50 dias, estava no streaming — lançado em silêncio, afogado no mar de conteúdos que disputam nossa atenção com algoritmos implacáveis.
Essa história não é ficção. É o retrato de uma crise real no coração do cinema brasileiro. E ela começa no escuro.
O que é a Janela Cinematográfica — e por que ela importa?
A chamada janela cinematográfica é o intervalo entre a estreia de um filme nos cinemas e sua chegada às plataformas de streaming. Parece uma tecnicalidade, mas essa pequena distância no calendário define muito mais do que datas: ela determina o sucesso ou fracasso de uma produção, a sobrevivência das salas de cinema, e o equilíbrio de todo o ecossistema audiovisual.
Nas últimas décadas, essa janela encolheu. E, como resultado, as salas estão morrendo — uma a uma, cidade a cidade.
"Estamos falando da sobrevivência não apenas do exibidor, mas do próprio cinema nacional como potência cultural", alerta Marcos Barros, presidente da ABRAPLEX. "O filme ‘Homem com H’, com mais de 600 mil espectadores, foi retirado das salas em apenas 47 dias. Antes, ele teria o dobro desse tempo."
Cultura em extinção silenciosa
Na França, berço de políticas culturais robustas, o prazo mínimo para a entrada no streaming é de 120 dias. Aqui, temos títulos lançados digitalmente com menos de 45 dias de cartaz — mesmo quando foram feitos com dinheiro público, como Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa.
E não é só sobre nostalgia. É sobre economia. O cinema ainda é um dos principais motores de receita do audiovisual. Quando essa cadeia se rompe, todo o setor — produtores, distribuidores, técnicos, artistas — sofre.
"Sem tempo nas telonas, o filme não forma público. Sem público, não tem valor na próxima janela. É um ciclo vicioso que desvaloriza a obra em todas as etapas", afirma Barros.
A pandemia e o streaming: aceleradores da crise
Durante a pandemia, plataformas digitais se tornaram a salvação para o entretenimento. Mas essa transição veloz e desregulada empurrou o cinema para a beira do abismo.
O público das salas, que já vinha em queda, despencou. Em 2024, é 30% menor do que em 2019. A taxa de salas por habitante no Brasil é baixíssima, e o endividamento do setor só cresce.
Enquanto isso, gigantes do streaming — muitas vezes estrangeiras — seguem lucrando com lançamentos rápidos, enquanto as produções nacionais não têm tempo de respirar nas telas grandes.
O Projeto de Lei e a batalha no Congresso
Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei do Streaming. A proposta do deputado Mersinho Lucena (PP-PB) defende uma janela de 180 dias. Já o relatório da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) sugere reduzi-la para 9 semanas — cerca de 63 dias.
Para a ABRAPLEX e diversos profissionais do setor, menos de 120 dias seria o colapso definitivo do parque exibidor. "Sem uma regulação firme, o cinema brasileiro vai virar conteúdo descartável", diz Barros.
Cinemas fecham. Comunidades perdem.
Quando um cinema fecha suas portas, não é apenas um negócio que vai embora. É uma praça que some. Um ponto de encontro, um lugar de formação cultural e de pertencimento que desaparece.
As cidades do interior, que já têm pouco acesso à cultura, são as mais afetadas. “A janela curta impacta diretamente a democratização do cinema”, lembra Barros. “A cultura precisa de tempo para chegar. E o povo precisa de tempo para encontrar o filme.”
A pergunta que não quer calar
Por que, em um país que financia filmes com recursos públicos, não garantimos que essas obras tenham tempo para circular nas salas? Por que o Brasil, com sua potência criativa, aceita que o cinema se transforme em produto de prateleira?
O que está em jogo não é apenas a proteção de salas escuras. É o direito de ver o Brasil — seus sotaques, suas histórias, suas contradições — projetado em tela grande.
A cortina está prestes a descer. Mas ainda dá tempo.
A regulamentação da janela cinematográfica é um passo urgente para resgatar o cinema como espaço vivo, público e coletivo. Para que nossos filmes possam ser mais do que distração: que sejam encontro, memória e resistência.
Porque, no fim das contas, cada janela aberta é uma história que respira.
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A cultura não sobrevive de algoritmos. Ela precisa de tempo. E de gente.







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