Robert Redford: o último cowboy do cinema independente
- Ana Soáres

- 16 de set.
- 4 min de leitura

Robert Redford nunca foi apenas um rosto bonito projetado na tela. Foi arquétipo de um certo sonho americano e, ao mesmo tempo, sua desconstrução mais incômoda. Morreu aos 89 anos, em sua casa nas montanhas de Utah, deixando para trás uma obra que atravessa gerações e que, de certa forma, redefiniu a relação entre Hollywood, a política e o cinema independente.
O ator que virou espelho da América

De Butch Cassidy and the Sundance Kid (1969) a Todos os Homens do Presidente (1976), Redford ajudou os Estados Unidos a olhar para si mesmos em momentos de mudança. Ele encarnava tanto o charme rebelde do faroeste quanto a paranoia política dos anos 70. Não à toa, sua filmografia é também uma cartografia do país em crise: corrupção, luto, guerras internas.
Em “Três Dias do Condor” (1975), seu olhar inquieto denunciava a engrenagem da espionagem americana. Em “The Sting” (1973), transformava a malandragem em arte, arrancando do público cumplicidade e fascínio. E quando interpretava românticos ao lado de Jane Fonda, Barbra Streisand ou Meryl Streep, mostrava que por trás da imagem de símbolo sexual havia um ator capaz de tensionar vulnerabilidade e força.
A virada: de galã a diretor premiado
Aos 40 anos, Redford decide ir além do estrelato. Dirige Gente Comum (1980), obra que escancara o luto e o silêncio de uma família americana. O filme conquista quatro Oscars, entre eles o de melhor direção. Ali se consolida não apenas como galã, mas como um contador de histórias obcecado pela fragilidade humana.
Mesmo quando fracassava em bilheteria, como em The Milagro Beanfield War (1988), recusava concessões. Preferia filmes que cutucassem feridas, ainda que não rendessem aplausos fáceis.
Sundance: o festival que virou movimento
Se sua carreira como ator e diretor já o teria colocado na história, Redford decidiu mexer nas bases do cinema mundial. Em 1981 funda o Sundance Institute e, alguns anos depois, transforma um festival modesto em Utah na principal vitrine do cinema independente.

Ali, nomes como Quentin Tarantino, Steven Soderbergh, Ava DuVernay e Chloé Zhao encontraram suas primeiras plateias. Sundance virou sinônimo de risco, ousadia e política. Mais que isso: tornou-se espaço para narrativas ignoradas por Hollywood — histórias LGBTQIAP+, filmes sobre direitos reprodutivos, sobre racismo e mudanças climáticas.
O ativista relutante
Redford nunca gostou da palavra “ativista”. Achava pesada. Mas foi um deles. Travou batalhas contra usinas de carvão, lutou por reservas ambientais e foi, muito antes de virar moda, um ator ambientalista. Criou, sem querer, a imagem que mais tarde Leonardo DiCaprio e Mark Ruffalo assumiriam.

Entre suas vitórias: impedir uma rodovia de seis pistas em Utah, proteger áreas naturais que se tornaram monumentos nacionais e usar sua visibilidade para transformar ecologia em pauta cultural.
Robert Redford: o homem por trás do mito
A vida pessoal foi atravessada por dores: a morte prematura de um filho, o assassinato do namorado da filha, a perda de Jamie Redford em 2020, após um câncer raro. Essas tragédias privadas nunca deixaram de ecoar em sua obra. Em “Tudo Está Perdido” (2013), sozinho em alto-mar, talvez encarnasse o próprio desamparo que carregou em silêncio.
Redford detestava ser vendido como o “galã loiro do cinema americano”. Ainda assim, foi — e por décadas. Mas quis ser mais: diretor, fundador, protetor da natureza.
O legado
O que fica não é apenas a imagem do jovem de chapéu em Butch Cassidy, mas o de um homem que usou sua visibilidade para abrir portas, questionar o país e repensar a indústria. Redford reinventou o papel do ator em Hollywood: podia ser astro de bilheteria, cineasta premiado e militante ambiental — tudo ao mesmo tempo.

Mais do que um ícone, foi ponte entre mundos. Entre a América que sonha com cowboys e a que enfrenta seus fantasmas. Entre Hollywood e o cinema independente. Entre a celebridade e o cidadão.

E talvez por isso sua morte pese tanto. Robert Redford nos obriga a perguntar: quem, hoje, tem coragem de ocupar esse espaço híbrido — de artista, intelectual e ativista — sem se deixar reduzir a rótulos?
Porque no fim, como ele mesmo disse, sua obstinação era simples:
“Eu via o que estava errado. Eu via o que podia ser melhor. E não deixava passar.”







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