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The Velvet Sundown: a banda que não existe e engana quase 1 milhão de ouvintes no Spotify

  • Foto do escritor: Manu Cárvalho
    Manu Cárvalho
  • 7 de jul.
  • 3 min de leitura

Por Manu Cárvalho

The Velvet Sundown
Reprodução/Internet

No universo volátil e veloz do streaming, onde milhares de faixas surgem todos os dias, The Velvet Sundown parecia ser o novo fenômeno da música alternativa. Com estética retrô, aura psicodélica e músicas melancólicas com atmosfera de anos 1970, a “banda” alcançou quase 1 milhão de ouvintes no Spotify em apenas duas semanas.


Mas havia um detalhe: nenhum integrante existe de verdade. Os rostos, os nomes e até os trechos de bastidores divulgados nas redes foram totalmente criados por inteligência artificial. Uma ficção bem elaborada que enganou ouvintes, ganhou espaço em playlists e levantou um debate urgente sobre autenticidade e transparência no cenário musical contemporâneo.


Gabe, Lennie, Milo e Rio: os músicos imaginários

Com nomes cativantes — Gabe Farrow, Lennie West, Milo Rains e Orion “Rio” Del Mar —, a banda foi apresentada com fotos “espontâneas” em estúdios e cafés, sempre em clima vintage. Só que todas essas imagens foram geradas por IA, algumas com falhas sutis, como mãos a mais, sombras incoerentes e alimentos flutuando em mesas mal desenhadas.


As faixas soavam boas o suficiente: instrumentais suaves, letras introspectivas e vocais distorcidos no ponto. O estilo lembrava bandas como Tame Impala ou Fleet Foxes, mas sem o peso emocional ou narrativo que acompanha artistas reais. Ainda assim, com a ajuda dos algoritmos de recomendação, elas invadiram listas de reprodução e enganaram até os mais atentos.


Deezer reconhece o conteúdo; Spotify permanece em silêncio

O caso ganhou contornos mais sérios quando a plataforma Deezer adicionou uma etiqueta no perfil da banda indicando que as músicas eram “criações 100% geradas por inteligência artificial”. Em contrapartida, Spotify, Apple Music e Amazon Music ainda não apresentaram nenhum tipo de alerta ou transparência.


Esse silêncio escancara uma lacuna preocupante: quem ouve sabe o que está ouvindo? E, mais do que isso, quem cria, compõe, canta e vive da música está sendo atropelado por sistemas que podem gerar mil músicas por hora com custos quase nulos?


Por que isso viralizou? O algoritmo explica

Hoje, plataformas de música recebem mais de 120 mil músicas novas por dia. O conteúdo gerado por IA, muitas vezes pensado para “encaixar” em gêneros ou climas específicos como “focus”, “lo-fi” ou “indie soft rock”, entra em playlists automatizadas, alcança centenas de milhares de pessoas — e rende lucro para quem o criou.


No caso do Velvet Sundown, a ambientação visual, a escolha estética e a própria narrativa da banda foram projetadas com um único objetivo: parecer legítimo o suficiente para passar batido — e passou.


Arte ou enganação? A fronteira entre criatividade e manipulação

O surgimento de bandas fantasmas como essa levanta um debate que vai além da curiosidade: será que ouvimos música por quem a faz ou por como ela soa? Se um software pode criar um som que emociona, a emoção é falsa?


Artistas do mundo todo já expressaram preocupação com o uso não autorizado de suas vozes, estilos ou imagens para “treinar” sistemas de IA. Em paralelo, alguns defendem que essa é apenas mais uma ferramenta — tão legítima quanto um sintetizador ou um software de edição.


Mas, como mostra o caso do Velvet Sundown, a questão não é só sobre criação, mas sobre transparência. O público tem o direito de saber se está ouvindo um ser humano ou um robô.


O que aprendemos com a banda que não existe?

  1. A curadoria digital falha: mesmo com bilhões investidos, os sistemas ainda não identificam conteúdo artificial com precisão.

  2. O marketing emocional funciona — mesmo quando é fake: a narrativa visual e as biografias falsas cativaram.

  3. O risco para artistas reais é real: com música barata, genérica e infinita, músicos humanos enfrentam um novo tipo de concorrência.

  4. A responsabilidade precisa ser compartilhada: ouvintes, plataformas e criadores devem exigir e oferecer mais clareza.


Ouvir, refletir e questionar

O caso do Velvet Sundown é muito mais do que uma pegadinha. Ele nos força a repensar o que valorizamos na arte, qual o papel da tecnologia e como navegamos no mundo digital. A IA não vai embora — mas a forma como escolhemos lidar com ela definirá o futuro da música.

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