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Vencer ou Morrer | Crítica

  • Foto do escritor: Jade Heckmann
    Jade Heckmann
  • 5 de jun.
  • 3 min de leitura

“Vencer ou Morrer” e a Estética da Resistência: Quando a Tradição Toma as Armas


Mais do que um épico histórico, o filme francês resgata a memória conservadora da Revolução Francesa com elegância visual, densidade emocional e uma escolha narrativa que provoca — mas também silencia.

Vencer ou Morrer | Crítica
Divulgação

No universo saturado de filmes históricos que reverberam as revoluções sob o ponto de vista iluminista, “Vencer ou Morrer” é uma exceção inquietante. Não pela ausência de qualidade — pelo contrário. Com fotografia primorosa, atuações sólidas e ritmo envolvente, o longa assinado por Paul Mignot se impõe com força. Mas sua força não está apenas na estética, e sim no que decide — e no que se recusa — a dizer.

Uma guerra esquecida que quer ser lembrada

A escolha pela Guerra da Vendeia — levante contrarrevolucionário na França do fim do século XVIII — já é, por si, um ato político. Em tempos em que a ficção costuma reafirmar a glória da liberdade, igualdade e fraternidade, o filme recupera o ponto de vista dos vencidos: camponeses católicos, monarquistas, fiéis à coroa e à cruz.

É nesse contexto que emerge a figura de François-Athanase Charette de La Contrie, vivido com nobreza contida por Hugo Becker. O personagem, símbolo da resistência tradicionalista, é tratado com reverência, quase como um mártir. Um homem dividido entre o dever militar, a fé pessoal e o colapso do seu mundo.

“O filme é sério, intenso, mas também humano e sensível” — e nisso concordamos. Mas cabe perguntar: sensível a quem?

A guerra como cenário — a fé como subtexto

“Vencer ou Morrer” acerta ao não transformar fé em panfleto. A espiritualidade está ali: nos símbolos, nos silêncios, nos olhares. Mas ela nunca protagoniza. A câmera prefere os estandartes à cruz, a pólvora à oração.

Essa decisão narrativa, embora compreensível do ponto de vista cinematográfico, perde a oportunidade de aprofundar o verdadeiro dilema moral daquele povo: não era apenas sobre lutar ou se render — era sobre morrer com ou sem o corpo de Cristo, com ou sem missa, com ou sem o direito de enterrar seus mortos segundo a tradição.

A linguagem como arma estética

Tecnicamente, o longa é irrepreensível. A direção de arte impressiona. As paisagens naturais, as cores de terra e sangue, a cadência pausada entre as cenas criam uma experiência sensorial rica. O som da terra pisada, das espadas desembainhadas e dos sinos ao longe tornam a guerra íntima, suada, próxima.

Vencer ou Morrer | Crítica
Divulgação

As cenas de batalha são filmadas com precisão — e o que poderia ser uma coreografia vazia, vira tensão dramática real. Ainda assim, essa excelência formal contrasta com uma certa limpeza narrativa. Quase não se vê a sujeira dos dilemas morais, a crueldade dos dois lados, o horror real da guerra civil. O filme faz escolhas claras: mostra dor, mas não dúvida.

Entre o heroísmo e a nostalgia: o perigo da idealização

É legítimo revisitar o passado pelo olhar dos vencidos. O problema é quando essa revisita torna-se um altar. Em vários momentos, “Vencer ou Morrer” flerta com a idealização de uma França mística, orgânica, devota e justa — como se a tradição fosse sinônimo de pureza.

Não há espaço para questionar o papel da Igreja naquele contexto, nem para pensar os limites da obediência cega. O que vemos é uma estética da resistência conservadora — bela, bem filmada, mas pouco contestada. É um filme que emociona, mas não confronta.

Um épico belo, mas seguro demais

“Vencer ou Morrer” é um grande filme? Sim. Sua realização técnica, sua delicadeza na composição de cena, sua coragem em dar voz aos derrotados o colocam entre os melhores do ano no gênero histórico. Mas falta-lhe a centelha crítica — aquela que nos faz sair da sala de cinema com perguntas, e não apenas com admiração.

É uma obra importante? Sem dúvida. Principalmente para um mundo que precisa compreender as camadas das revoluções — inclusive as de quem não quis revolucionar. Mas o cinema também tem o dever de tensionar a memória, e não apenas a embalar em veludo.

Nota final: ⭐⭐⭐⭐✨

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