O décimo terceiro do INSS volta a circular e reacende o debate sobre dignidade, sobrevivência e o futuro dos idosos no Brasil
- Da Redação

- há 1 dia
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O DINHEIRO QUE CHEGA TARDE, MAS AINDA CHEGA

A semana amanhece com longas filas nas portas das agências do Instituto Nacional do Seguro Social. São homens e mulheres que carregam no rosto o tempo vivido e, muitas vezes, o peso de uma vida inteira de trabalho informal, sub-remunerado ou invisibilizado. O INSS confirma que inicia nesta segunda-feira, 24 de novembro, o pagamento da parcela única do 13º salário para mais de 2,3 milhões de aposentados e pensionistas, somando um volume de 2,2 bilhões de reais injetados na economia nacional.
É um fôlego tardio para quem vive com rendas comprimidas pela alta de preços, pela precarização dos serviços e pelas dificuldades que se acumulam em um país onde 57 por cento dos idosos vivem com até um salário mínimo. É também um lembrete incômodo sobre o quão frágil ainda é a estrutura de proteção social brasileira.
POR QUE ESTE PAGAMENTO DO INSS IMPORTA AGORA
A liberação do décimo terceiro volta ao centro das discussões políticas em um momento em que a inflação de itens básicos ainda pressiona os lares de baixa renda. Levantamentos recentes do Dieese mostram que o custo médio da cesta básica aumentou em 14 capitais desde agosto. Para quem depende exclusivamente do benefício, o 13º não representa um extra. Representa respiro.
E não apenas para quem recebe. O Ministério da Fazenda prevê que o ciclo nacional de pagamento do décimo terceiro deve movimentar, ao fim da temporada, cerca de 369 bilhões de reais no país. É uma força motriz que sustenta pequenos comércios e mantêm vivas economias locais, especialmente nos bairros periféricos e cidades de menor porte.
COMO SERÃO FEITOS OS PAGAMENTOS
O calendário foi divulgado para orientar os beneficiários. A data depende do último dígito do número do benefício, disponível no cartão físico ou no aplicativo Meu INSS. Para muitos idosos, o celular ainda é um recurso difícil, mas é nele que boa parte das informações está concentrada.
Calendário para quem recebe até um salário mínimo
Final 1: 24 de novembro
Final 2: 25 de novembro
Final 3: 26 de novembro
Final 4: 27 de novembro
Final 5: 28 de novembro
Final 6: 1 de dezembro
Final 7: 2 de dezembro
Final 8: 3 de dezembro
Final 9: 4 de dezembro
Final 0: 5 de dezembro
Calendário para quem recebe acima de um salário mínimo
Finais 1 e 6: 1 de dezembro
Finais 2 e 7: 2 de dezembro
Finais 3 e 8: 3 de dezembro
Finais 4 e 9: 4 de dezembro
Finais 5 e 0: 5 de dezembro
O extrato de pagamento já está liberado no aplicativo Meu INSS, permitindo a consulta dos valores disponíveis.
QUEM RECEBE AGORA
Apenas quem já havia recebido a antecipação do benefício no primeiro semestre não será contemplado desta vez. Para todos os demais, o 13º está garantido. Mas essa garantia, que deveria ser simples, ainda depende de um acesso digital que não alcança todos. Muitas famílias continuam recorrendo a vizinhos, a filhos, a funcionários das próprias agências para navegar pelos serviços do aplicativo.
O BRASIL QUE ENVELHECE SEM APOIO
O país vive uma transição demográfica acelerada. Segundo o IBGE, o Brasil terá, em 2030, mais pessoas acima de 60 anos do que crianças e adolescentes. A Previdência Social que existe hoje já é insuficiente para a realidade do presente. E ainda assim, pouco se discute uma reforma da vida, e não apenas das contas.
A aposentadoria mínima não acompanha as necessidades de saúde, transporte, moradia e alimentação dos idosos. O envelhecimento brasileiro é racializado: mulheres negras, historicamente empurradas para o trabalho informal doméstico, chegam à velhice com benefícios menores e maior dependência do Estado. O 13º salário, nesse contexto, funciona como uma espécie de anestesia temporária em uma ferida que permanece aberta.
QUANDO O DIREITO VIRA SOBREVIVÊNCIA
Conversei na manhã de ontem com Maria Eunice, 72 anos, moradora da periferia da Zona Leste de São Paulo. Ela me disse que já sabe exatamente para onde o dinheiro vai.
“Não tem luxo. Eu pago os exames que o posto de saúde não tem. Compro a comida do mês. E guardo um pouco para o remédio que a farmácia popular não cobre.”
Ela suspira antes de completar:
“Eu trabalhei a vida toda. Parece que a gente correu uma maratona e, no fim, ainda precisa pagar a medalha.”
O 13º existe para aliviar, mas acaba lembrando que falta. Falta política pública para envelhecer com autonomia. Falta compromisso com a população que construiu o país antes que a tecnologia, a internet e os novos discursos políticos tomassem o centro do debate.
Em tempo
Enquanto o dinheiro entra na conta, o Brasil acompanha em silêncio um dos movimentos econômicos mais importantes do ano. Mas por quanto tempo vamos aceitar que milhões de brasileiros só respirem financeiramente uma vez por ano. O que diz sobre nós o fato de celebrarmos uma injeção de renda que representa, na prática, um pedido de socorro atrasado.
Talvez esteja na hora de perguntar não apenas quanto custa pagar o 13º, mas quanto custa ignorar a velhice. Porque o país que não cuida dos seus idosos está condenando o seu próprio futuro.
Se não discutirmos agora políticas reais para envelhecer com dignidade, seguiremos repetindo o mesmo ciclo. E o ciclo, como as contas, sempre vence.







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