[CRÍTICA] ANÔNIMO 2: A VIOLÊNCIA COMO REENCONTRO COM O PRÓPRIO CAOS
- Emänoelly Rozas
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Atualizado: há 2 horas
LUZ, CÂMERA, CRÍTICA! — Por Emänoelly Rozas

É curioso pensar como o cinema de ação, em sua longa trajetória, soube reinventar figuras improváveis em protagonistas que, à primeira vista, não carregavam o estereótipo do herói clássico. Anônimo 2, dirigido por Timo Tjahjanto e estrelado novamente por Bob Odenkirk, chega aos cinemas em 21 de agosto de 2025 trazendo não apenas a continuação de uma trama que já havia surpreendido o público em 2021, mas também um mergulho ainda mais visceral nas fragilidades e contradições de um homem que insiste em desafiar sua própria natureza. Com apenas 1h29 de duração, o longa consegue extrair intensidade de cada cena, misturando ação frenética, humor ácido e uma melancolia que persiste mesmo entre explosões e tiros, tornando-o um dos exemplares mais interessantes do gênero nos últimos anos.
Desde os primeiros minutos, Anônimo 2 deixa claro que Hutch Mansell, vivido por Odenkirk, não é mais o mesmo homem que conhecemos anteriormente. O peso das escolhas feitas no passado o assombra, e a busca por equilíbrio entre a vida familiar e a violência que lateja dentro dele é o combustível dramático que guia a narrativa. É nesse ponto que Timo Tjahjanto imprime sua marca: o diretor indonésio, conhecido pelo uso de uma câmera agressiva e pela estilização do caos em filmes de ação, transforma cada sequência em um espetáculo visual que dialoga com a brutalidade coreografada de John Wick, mas com uma identidade própria — mais crua, mais sarcástica e, de certa forma, mais humana.
Bob Odenkirk, uma vez mais, entrega uma performance que surpreende pela capacidade de alternar vulnerabilidade e fúria. Ele não é apenas um homem em combate; é um sujeito comum, com marcas no rosto e no espírito, que luta contra inimigos externos, mas sobretudo contra os fantasmas que o cercam. Esse contraste dá força ao filme, porque a violência não surge como catarse gratuita, mas como reflexo da instabilidade de alguém que tenta desesperadamente preservar algum resquício de normalidade. Sua química com Connie Nielsen, que retorna como a esposa Becca, é trabalhada de forma mais sólida, expondo não só o desgaste de um relacionamento, mas também os pequenos lampejos de cumplicidade que ainda resistem em meio ao caos.
Outro destaque inevitável é a presença de Christopher Lloyd, que volta a dar vida ao pai de Hutch. Mesmo com tempo reduzido em tela, ele rouba as cenas em que aparece, equilibrando o peso dramático com o alívio cômico que só um ator de sua experiência é capaz de proporcionar. Sua participação é quase simbólica: representa a herança de violência passada de geração em geração, mas também o sarcasmo de quem já não tem nada a perder.
No campo técnico, Anônimo 2 mostra uma evolução em relação ao primeiro. A fotografia explora tons mais escuros e contrastes fortes, criando uma atmosfera que oscila entre o hiper-realismo e o estilo gráfico de uma HQ. A trilha sonora, marcada por músicas inesperadas em meio ao caos, reforça o tom irônico que permeia a narrativa. Já as cenas de luta são um espetáculo à parte: coreografadas com precisão, mas sempre mantendo a sensação de improviso, como se a brutalidade surgisse de forma espontânea, o que dá autenticidade à ação. Timo Tjahjanto não se limita a replicar fórmulas; ele insere humor em meio ao sangue, pausas dramáticas entre rajadas de balas, criando um equilíbrio que prende o espectador do início ao fim.
No entanto, o que torna Anônimo 2 mais do que um simples filme de ação é sua camada emocional. O roteiro de Derek Kolstad e Aaron Rabin não se contenta em repetir a fórmula do primeiro longa. Ao contrário, busca aprofundar as motivações de Hutch, explorando o dilema de um homem que sabe ser perigoso demais para caber na vida doméstica, mas que também não consegue renunciar completamente à família. Essa dualidade cria momentos de reflexão em meio ao barulho das armas, levantando questões sobre identidade, escolhas e a impossibilidade de apagar o passado.

É aqui que o filme cria conexão direta com o público. Afinal, quem nunca se viu preso entre aquilo que gostaria de ser e aquilo que, inevitavelmente, é? Hutch encarna esse conflito, e sua jornada é uma metáfora para tantos de nós que tentamos equilibrar expectativas sociais, pressões familiares e os impulsos mais íntimos que carregamos. Talvez por isso a violência em Anônimo 2 não seja apenas entretenimento: ela funciona como uma forma de catarse coletiva, permitindo que o espectador projete suas próprias frustrações naquela sucessão de socos e explosões.
Ainda que seja mais curto do que a maioria dos filmes do gênero, Anônimo 2 não perde ritmo em momento algum. A narrativa é direta, quase implacável, mas sempre encontra espaço para o humor e para o silêncio — duas armas tão poderosas quanto qualquer tiro. É nesses intervalos que o filme respira e permite ao público se conectar de forma mais profunda com os personagens. Esse cuidado evita que a obra se torne apenas uma sequência barulhenta, elevando-a a um patamar de cinema de ação com identidade própria.
Por fim, há de se reconhecer que o longa entrega aquilo que promete: diversão, adrenalina e emoção. Mas vai além, oferecendo ao público uma história sobre imperfeição e resistência, sobre a eterna luta entre a rotina e o caos, sobre homens que não nasceram para ser heróis, mas que, por acidente ou por destino, acabam assumindo esse papel. Anônimo 2 é um retrato brutal e ao mesmo tempo irônico da condição humana, onde a violência é tão inevitável quanto a busca por pertencimento.
Se o primeiro filme já havia surpreendido por transformar Bob Odenkirk em um improvável astro de ação, esta sequência confirma que sua presença no gênero não foi acaso, mas sim uma escolha certeira. Hutch Mansell não é apenas um personagem de ação; é um homem falho, contraditório e, por isso mesmo, extremamente real.
Ao final da sessão, a sensação é de ter assistido a um filme que sabe entreter, mas que também convida a pensar. E isso, dentro de um gênero muitas vezes subestimado, é um mérito gigantesco.
Nota final: ⭐⭐⭐⭐✨ (4,5/5)
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