[CRÍTICA] Atena: a coragem de lutar, a fragilidade de contar
- Emänoelly Rozas
- 29 de jul.
- 4 min de leitura
LUZ, CÂMERA, CRÍTICA! — Por Manu Cárvalho

“Atena” é uma proposta cinematográfica que mistura justiça vigilante e trauma feminino, mas infelizmente tropeça em seu próprio nervo — e acaba sendo menos poderosa do que sua premissa sugere.
O filme estreia no Brasil em 31 de julho de 2025 trazendo à tela uma narrativa intensa, centrada em Atena (Mel Lisboa), uma mulher marcada por abusos na infância que transforma sua dor em uma missão vingativa. Ao lado de Helena, outra sobrevivente, ela forma um grupo clandestino que atrai, captura e julga agressores, numa cruzada moral conturbada. A chegada de Carlos (Thiago Fragoso), repórter investigativo, ao caso, acrescenta ritmo e perspectiva externa — mas não o bastante para salvar o longa de sua estrutura instável.
Desde o primeiro momento, observa-se que o longa pretende ecoar produções como Bela Vingança: a justiça é violenta, feminina e sistemática. O problema é que o filme abre mão do mistério com rapidez. Em uma análise recente, a crítica Fernanda Cavalcanti já alertava que Atena “não preserva seu mistério nem por meia hora”, deixando claro quem é a justiceira logo na primeira sequência. Essa revelação prematura desmobiliza boa parte da tensão que poderia sustentar a narrativa.

Ainda assim, o roteiro de Enrico Peccin, com direção de Caco Souza, investe com clareza em personagens emblemáticos. Mel Lisboa encarna Atena com intensidade física e emocional, mas seu desempenho acaba limitado por decisões visuais que flertam com uma estética de fetichismo da violência, como observa a crítica de Ludmilla Maia. A câmera parece mais fascinada pela violência do que pelos motivos que alimentam essa vingança — e isso prejudica a autenticidade da personagem e da narrativa.
Thiago Fragoso, como Carlos, oferece um contraponto mais racional ao fervor vingativo de Atena, mas sua figura também não escapa do maniqueísmo. Ele é o jornalista que investiga, descobre e colabora — mas sua jornada emocional é pouco explorada, funcionando mais como suporte narrativo do que como personagem. A ambiguidade moral do protagonista é insuficiente, e embora o elenco tenha potencial, seus papéis secundários como Lui Mendes, Gilberto Gawronski e os demais surgem como contornos sem profundidade.
A estrutura do roteiro limita-se a apresentar agressões contra homens com histórico de violência contra mulheres, marcando-os com palavras como “estuprador”, e então mostra Atena agindo de forma simbólica e praticamente ritualística. Mas a investigação policial e o mistério que tanto poderia sustentar o suspense são resolvidos de forma apressada. Como destaca Fernanda Cavalcanti, o filme se perde logo no início do mistério que prometia — e isso empobrece seu formato de thriller investigativo.
Tecnicamente, o longa é irregular. A direção de arte e o cenário ajudam a criar uma atmosfera pesada, mas frequentemente o enquadramento negligencia a subjetividade das personagens femininas, e o uso da violência gráfica se torna gratuito. A montagem é acelerada, mas falha em criar clímax eficaz. A trilha sonora de Ricardo Severo não surpreende: está aqui, ali, mas não sussurra nos momentos certos. O silêncio pesa, mas nunca ecoa com densidade emocional.

O que salva parte da narrativa são ideias interessantes. O comentário social sobre a impunidade enfrentada por mulheres vítimas de violência encontra eco nas cenas de interrogatório paralelo de Atena e Helena. Essas cenas, por si só, oferecem reflexões urgentes — mas ficam isoladas, sem serem integradas a uma trama maior de reparação simbólica ou transformação real.
Há também alguma clareza consciente na escolha da protagonista como figura justiceira. Como apontado em várias críticas, o filme tenta contar a história de uma mulher que resolve o problema do sistema por si própria, com métodos duros e sem mediação institucional — uma metáfora ácida e simbólica sobre o silêncio institucional histórico diante da violência de gênero.
Mas tudo isso soa, na execução, como uma versão amadora e rasa de algo maior. A narrativa não assume seus riscos por completo. Falta um antagonismo legítimo: Atena não enfrenta dilemas reais, apenas alvo injustos. A reviravolta envolvendo o paradeiro de seu pai em Montevidéu tem potencial traumático, mas é tratada de forma mecânica, quase documental — sem peso dramático.
TRAILER OFICIAL:
Em resumo, Atena possui intenções fortes e urgentes, e sua energia original é clara. A proposta de justiça clandestina contra agressores invisíveis é atraente e socialmente relevante. Mas o longa se deixa cair no caminho ao priorizar o choque sobre a profundidade, e o esperado protagonismo feminino se afunda num roteiro que não sustenta o arco emocional de suas personagens.
Para um primeiro filme dirigido por Caco Souza após o sucesso de obras anteriores, Atena acaba sendo um passo aparentemente inseguro, podemos dizer assim. Sua relevância temática é inegável, mas a forma é confusa e o resultado final desconectado. Essa desconexão é particularmente dolorosa por se tratar de uma produção com figura central poderosa — Mel Lisboa — que merece projeto mais ousado e consistente.
Por fim, embora alguns segmentos do público e festivais possam reconhecer Atena como um trabalho necessário, e até elogiável em sua coragem temática, a sensação que permanece é a de um potencial desperdiçado. Há filigranas sociais importantes sobre machismo, impunidade e trauma, mas faltou coragem para investir num roteiro que pudesse equilibrá-las com suspense, ambiguidade e real profundidade emocional. Nota: ⭐⭐⭐⭐ (4,0 de 5,0)
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