Privatização da Amazônia? Decreto 12.600 inclui hidrovias no PND e ameaça comunidades ribeirinhas
- Ana Soáres

- 4 de set.
- 3 min de leitura

No discreto Diário Oficial de 28 de agosto de 2025, o governo federal promulgou o Decreto n.º 12.600, que inclui três das principais hidrovias da Amazônia no Programa Nacional de Desestatização (PND). A manobra escapa ao debate público e redesenha o destino de veias vitais da região.
O que está por trás do Decreto n° 12.600
O texto do decreto deixa clara a ambição silenciosa do governo:
Inclui as hidrovias da Madeira (Porto Velho–Itacoatiara, ~1.075 km), da Tocantins (Peixe–Belém, ~1.731 km) e do Tapajós (Itaituba–Santarém, ~250 km) no rol de ativos elegíveis à desestatização.
A publicação não diferencia se se trata de concessão, privatização ou outra modalidade, deixando o ambiente regulatório nebuloso. O decreto simplesmente aponta que essas rotas estratégicas passarão a ser objeto de política pública de aberto ao capital privado — “sem debate, sem transparência”, como destacou representante político que acompanha o caso.
Contexto e mecanismos de pressão
Essa decisão acontece na esteira de uma resolução do Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), de maio de 2025, que já havia recomendado a inclusão dessas hidrovias no PND — um passo formalmente previsto, porém pouco explicado.
O decreto, portanto, oficializa o que já vinha sendo desenhado nos bastidores: braços estratégicos da Amazônia ganham status de ativos de mercado, com forte apelo para grupos logísticos e do agronegócio.
O que está em jogo de verdade: Impactos sobre a soberania e as comunidades
As hidrovias são fundamentais para escolaridade, saúde, abastecimento e transporte comunitário. Dados do IBGE indicam que cerca de 30 milhões de brasileiros vivem na região amazônica, sendo 10 milhões diretamente vinculados às margens dos rios — para esses, não são apenas rotas, mas lifelines diárias.
A entrega dessas rotas à iniciativa privada pode resultar em monopólios regionais, riscos de aumento de preços e fechamento de pequenos negócios, além de redução no acesso a serviços essenciais.
Meio ambiente e infraestrutura invisível
A pressão por dragagem, portos privados e gestão mercantil das hidrovias ameaça ecossistemas delicados, populações tradicionais e práticas de subsistência secular.
A narrativa oficial fala de modernização da logística e corte de custo logístico — com estimativas de até 40% de redução no transporte, segundo o Ministério dos Portos — mas negligencia os riscos sociais e ambientais.
O silêncio que fala alto
O decreto n.º 12.600 inscreve-se numa tradição preocupante de decisões estruturais com implicações profundas que acontecem “de cima para baixo”, sem consulta democrática — ecoando outras medidas tomadas sob o véu da tecnocracia, como flexibilizações ambientais e uso de decretos presidenciais para avançar interesses particulares.

BOX INFORMATIVO — O QUE DIZ O DECRETO n.º 12.600
Fonte oficial:
Art. 1º — “Ficam incluídas no Programa Nacional de Desestatização – PND, para fins de estudos de desestatização, as seguintes hidrovias: I – Hidrovia do Rio Madeira; II – Hidrovia do Rio Tocantins; III – Hidrovia do Rio Tapajós.”
Grifo: O decreto não especifica se a forma de desestatização será concessão, privatização plena ou outro modelo. Abre margem para entrega de controle sem clareza.
Art. 2º — “Compete ao Ministério dos Transportes adotar, em conjunto com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, as providências necessárias à execução do disposto neste Decreto.”
Grifo: Centraliza no BNDES e Ministério dos Transportes a articulação dos estudos, sem previsão de consulta às comunidades locais, povos ribeirinhos ou sociedade civil.
Art. 3º — “Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.”
Grifo: O decreto tem efeito imediato, sem qualquer período de discussão pública.
O QUE FICA EVIDENTE
O texto abre o processo de entrega das hidrovias à iniciativa privada, mas não estabelece limites de controle, nem garante salvaguardas ambientais ou sociais.
A ausência de transparência e consulta popular é o aspecto mais denunciado por especialistas.
Ao ser publicado diretamente no Diário Oficial, em meio a outras normas administrativas, o decreto se manteve fora dos holofotes da imprensa.
Opinião
A decisão de desestatizar hidrovias amazônicas diz menos sobre eficiência e mais sobre repactuação de poder. A Amazônia não é apenas uma fonte de commodities: é identidade, habitat, modo de vida e equilíbrio climático. Cadeias de afeto e cuidado, não apenas trilhas de exportação.
A pergunta que fica é clara: estaremos dispostos a assistir a um país que privatiza seu pulso vital — e, com isso, entrega sua alma?
Porque se Tarifas, contratos e gestão privada transformam rios em mercadorias, pouco falta para permitir que um país seja vendido em parcelas — à luz da legalidade, mas à sombra do silêncio.
Você acredita que a privatização das hidrovias trará progresso ou ameaça à Amazônia?






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