MISTÉRIO EM SANTA CATARINA
- Ana Soáres

- há 6 dias
- 3 min de leitura
12 Servidores intoxicados, um refrigerante sob suspeita e um passado de assédio: O que está por trás do caso que chocou Santa Cecília.

O relógio marcava pouco depois das cinco da tarde, no dia 21 de outubro, quando o ambiente tranquilo do pronto atendimento de Santa Cecília, no Oeste catarinense, se transformou em um cenário de pânico. Doze funcionários, entre médicos, enfermeiros e técnicos, começaram a passar mal quase ao mesmo tempo. Náuseas, tontura, sonolência, inchaço abdominal, lapsos de memória e até dificuldade na fala. O que parecia um fim de tarde rotineiro, um simples café compartilhado entre colegas, virou caso de polícia.
A Polícia Civil confirmou que o único item consumido por todos os intoxicados foi um refrigerante. O detalhe que acendeu o alerta: a garrafa havia sido levada por uma tia de um servidor afastado por assédio sexual contra funcionárias da unidade.
“Foi tudo muito rápido. Um gole e logo veio a ardência na garganta, depois o corpo começou a falhar”, relatou o técnico de enfermagem Márcio Granemann, também vereador da cidade, em entrevista ao g1. Ele foi um dos primeiros a sentir os sintomas e chegou a desmaiar no local.
O INÍCIO DE UMA INVESTIGAÇÃO QUE VAI ALÉM DA SAÚDE
O episódio levantou questões que ultrapassam os limites da intoxicação coletiva: poderia haver ligação entre o crime de assédio e o suposto envenenamento? A cronologia do caso aponta para uma sequência inquietante:
8 de outubro: o servidor acusado de importunação sexual é afastado da unidade.
21 de outubro: os colegas fazem o café coletivo, consomem o refrigerante e passam mal.
23 de outubro: a Polícia identifica que a bebida foi levada por uma parente do servidor afastado.
24 de outubro: o número de vítimas sobe para 12.
28 de outubro: laudos preliminares do Centro de Informação e Assistência Toxicológica de SC (CIATox) não encontraram substâncias relacionadas a drogas nas amostras biológicas.
30 de outubro: o laudo final da Polícia Científica ainda é aguardado.
A mulher que levou a garrafa e o sobrinho, o servidor afastado, foram alvos de mandados de prisão temporária. Até o momento, a investigação trabalha com a hipótese de tentativa de homicídio qualificado.
QUANDO A VIOLÊNCIA MUDA DE FORMA
A história não é apenas sobre um refrigerante suspeito. É sobre relações de poder, retaliação e o medo silencioso que permeia ambientes institucionais quando denúncias de assédio vêm à tona.
De acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2024), uma em cada quatro mulheres brasileiras afirma ter sofrido assédio no trabalho. Na área da saúde, onde hierarquias e jornadas exaustivas são a regra, o silêncio ainda é o abrigo mais frequente.
Em Santa Cecília, o servidor havia sido afastado após denúncias de assédio contra colegas mulheres. E apenas duas semanas depois, elas e seus companheiros de turno eram levados ao hospital intoxicados.
Coincidência? Para a população local, difícil acreditar.
O QUE FALTA SABER
O laudo da Polícia Científica deve apontar se houve contaminação deliberada do refrigerante. Até agora, nenhuma substância foi identificada nas amostras biológicas, mas os peritos ainda analisam o conteúdo da garrafa. A Prefeitura de Santa Cecília afirmou que acompanha o caso e que todos os funcionários já receberam alta.
Enquanto isso, a cidade tenta entender o que aconteceu naquele café da tarde e, principalmente, por que.
UMA REFLEXÃO QUE VAI ALÉM DO COPO
Em tempos de descrédito nas instituições e banalização da violência, o caso de Santa Cecília é um alerta: assédio não é um episódio isolado, e as reações a ele — sejam silenciosas, simbólicas ou fatais — revelam a face mais cruel de uma cultura que ainda naturaliza o abuso.
A justiça precisa responder não apenas o que havia no refrigerante, mas o que há por trás de uma estrutura que permite que o medo e a vingança circulem com tanta liberdade.
Talvez o veneno — simbólico ou não — já estivesse ali muito antes do primeiro gole.







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