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OPINIÃO: BANDIDO BOM É BANDIDO REABILITADO

  • Foto do escritor: Érica Corrêa
    Érica Corrêa
  • 15 de mai.
  • 7 min de leitura

5 livros empilhados
Livros empilhados, 2025/Fonte: Pixabay

A máxima "bandido bom é bandido morto" representa uma das mais profundas falhas do pensamento social contemporâneo, especialmente quando analisada à luz dos dados sobre violência policial e da composição racial da população carcerária. Esta filosofia punitiva simplista não apenas falha em seus objetivos declarados de redução da criminalidade, como também perpétua ciclos de violência institucional direcionados desproporcionalmente contra populações negras e marginalizadas. Ao contrário, a penalização do indivíduo isenta as organizações criminosas fortes e organizadas que estão por trás de um cenário de crime muito mais complexo que a maioria das pessoas imagina. A Secretaria Nacional de Políticas Penais (SENAPPEN) realiza desde 2023 o Levantamento de Informações Penitenciárias. Em 2024, a população carcerária em celas físicas no Brasil é de 663 mil pessoas, a grande maioria composta por homens, segundo dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais, órgão do Ministério da Justiça. Os homens presos são mais de 634 mil, cerca de 96% dos presos. As mulheres são os outros 4%, mais de 28 mil detentas. Cerca de 51% dos delitos que levam ao encarceramento no Brasil são crimes não violentos.


Por Que a Reabilitação Social é a Melhor Solução para a População Carcerária

A questão da população carcerária representa um dos maiores desafios sociais contemporâneos. Em um cenário onde os índices de reincidência criminal permanecem elevados em diversos países, faz-se necessário repensar o modelo tradicional punitivo. A reabilitação social emerge não apenas como uma alternativa humanitária, mas como a estratégia mais eficaz para lidar com esse problema complexo.

Estatísticas em diversos países, incluindo Brasil e Estados Unidos, revelam um padrão indiscutível: pessoas negras constituem parcela desproporcional da população carcerária em relação à sua representação demográfica.


dados de presos por cor de pele/raça/etnia em 31/12/2014
SISDEPEN, 2025

No Brasil, cerca de 48% da população carcerária é composta por pardos e cerca de 15,6% são preto, enquanto brancos compõem 28%. Amarelos são menos de 1% e indígenas são 0,1%. Para o restante — cerca de 44 mil pessoas —, o sistema não tem informações sobre a raça. Somados, pretos e pardos respondem por 63% das pessoas encarceradas, enquanto compõem 55,5% da população.

A abordagem do "bandido bom é bandido morto" ignora deliberadamente que a definição de quem é considerado "bandido" passa por filtros raciais e socioeconômicos. O mesmo comportamento que em jovens brancos de classe média é interpretado como "rebeldia juvenil", frequentemente rotula jovens negros periféricos como "elementos perigosos" ou "potenciais criminosos". Cerca de 44% dos presos não completaram o ensino fundamental e outros 6% sequer chegaram a ter qualquer nível de educação formal. Somente 18% dos presos hoje têm acesso à educação e somente 23,9% dos presos têm acesso ao trabalho, de acordo com dados do Ministério da Justiça. 

Em 2020, o CNJ assinou uma cooperação com o Ministério Público do Trabalho e com a Confederação Nacional dos Municípios para dar início ao plano de geração de trabalho para pessoas privadas de liberdade e egressas do sistema prisional. Desde então, a porcentagem de presos que trabalham subiu de 13% para 23,9%.


Violência Policial como Política de Estado

A letalidade policial em comunidades predominantemente negras e periféricas demonstra que o lema não é apenas retórica, mas prática institucionalizada. Operações policiais em áreas vulneráveis frequentemente resultam em mortes que seriam inaceitáveis em bairros privilegiados, demonstrando padrão duplo na valoração da vida humana.

Dados alarmantes sobre execuções extrajudiciais, "atos de resistência" e mortes em abordagens policiais evidenciam que o Estado, através de suas forças de segurança, frequentemente adota a postura de executor sumário em determinados territórios. Esta prática não apenas viola princípios constitucionais fundamentais como o devido processo legal e a presunção de inocência, mas também desumaniza parcelas inteiras da população.

De acordo com dados do Observatório Nacional dos Direitos Humanos (ObservaDH),  a cada sete mortes violentas no Brasil, uma foi ocasionada por intervenção policial em 2023. Cerca de 17 pessoas foram mortas por dia em ações de agentes de segurança pública, sendo que oito em cada dez vítimas eram negras, e ao menos sete em cada dez eram adolescentes ou jovens. A cada dez mortes por ações policiais em 2022, cerca de oito eram vítimas negras, e ao menos sete eram adolescentes ou jovens entre 12 e 29 anos. A maioria das mortes em intervenções policiais aconteceram com agentes em serviço (93%), e quase todas utilizando arma de fogo (98,5%). Do total, 63,6% das mortes aconteceram em vias públicas e 19,5% das vítimas foram mortas dentro da casa. Em relação aos tipos de violência e meios de agressão, 85,5% das notificações foram violência física; 20,8% violência psicológica; 11,9% intervenção legal; e 5,3% tortura. Quanto aos meios de agressão, foram utilizados a força corporal e/ou espancamento em 66% dos casos; arma de fogo em 21,5%; ameaça em 15,4%; objeto contundente em 8,8%; e enforcamento em 5,1%.


Falha como Política de Segurança Pública

O discurso do "bandido bom é bandido morto" desvia atenção e recursos de estratégias comprovadamente eficazes na redução da criminalidade: investimento em educação, oportunidades econômicas, prevenção da violência doméstica e tratamento de dependência química. Perpetua-se assim um modelo falido que, sob o pretexto de combater o crime, mantém intactas as estruturas que o produzem.

Em 03 de maio de 2025, eu fiz um post sobre estar horrorizada com escutar a música que os brigadianos (policiais) estavam cantando em seu treinamento enquanto estava na farmácia. A música fez apologia à violência policial e colocar bandidos no caixão.

post do Threads: "Fui comprar um remédio hoje no fim da tarde. A brigada estava treinando, correndo e cantando aquelas músicas de treinos de corrida. Fiquei horrorizada com a música, fazendo apologia à violência policial e colocar os bandidos no caixão."
Post no Threads, 2025/Arquivo pessoal

Recebi como resposta vários comentários concordando com a violência. Os comentários variavam entre pessoas dizendo que bandidos devem estar no caixão mesmo, que se eu gostava tanto de bandidos deveria levar pra minha casa/adotar, comentários insultando minha aparência, peso, idade e sexualidade e até um comentário dizendo ser uma pena que eu mesma não estivesse em um caixão. Para meu alívio, também recebi comentários que concordavam comigo e que demonstravam seu próprio horror com os comentários violentos do post.


Comentários do Post do Threads, 2025/Arquivo pessoal


Para além da questão moral, a lógica do extermínio falha pragmaticamente como política de segurança pública. Pesquisas demonstram que regiões com altos índices de letalidade policial não apresentam redução sustentável da criminalidade. Ao contrário, muitas vezes experimentam espirais de violência onde execuções policiais e retaliações criminosas alimentam ciclos intermináveis de morte. Críticos da reabilitação frequentemente expressam preocupações quanto à segurança pública. Contudo, a evidência empírica contradiz essas apreensões: sociedades que priorizam reabilitação tendem a apresentar menores índices de criminalidade violenta.


O preço da falta de segurança

O crescimento desordenado dos centros urbanos e a herança colonial descriminadora criou uma sociedade assolada por uma cultura do medo onde tantas pessoas foram estão devastadas por uma realidade de violência extrema. E muitas crianças jovens pagaram com a vida por conflitos entre quadrilhas e uma polícia despreparada. Falta uma politica uma situação rápida e eficaz no enfrentamento a violência para sanar esse cenário. O encarceramento em massa, principalmente de jovens e negros não está conseguindo reverter uma situação que beira a guerra civil. Quem lembra de Genivaldo, “homem errado"? Genivaldo morreu após ter sido trancado no porta-malas de uma viatura da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e submetido a inalação de gás lacrimogêneo. A certidão de óbito apontou asfixia e insuficiência respiratória como causa da morte. Ele ficou 11 minutos e 27 segundos exposto a gases tóxicos e impedido de sair de uma viatura da PRF em Sergipe.

Fundamentos da Reabilitação Social

O destaque do novo Levantamento do primeiro semestre de 2024, foi o aumento de 25,9% da oferta de atividades educacionais no sistema penitenciário brasileiro. Além de 158.380 pessoas presas exercendo alguma atividade laboral.

gráfico com dados estatísticos de quantidade de livros nas bibliotecas em presídios
SISDEPEN, 2025

A reabilitação social baseia-se na premissa de que o indivíduo que cometeu um crime pode ser reintegrado à sociedade como membro produtivo. Diferentemente da abordagem meramente punitiva, ela reconhece que a maioria dos detentos eventualmente retornará ao convívio social. Estudos indicam que detentos que obtêm educação durante o cumprimento da pena têm 43% menos probabilidade de reincidir.

Evidências empíricas demonstram consistentemente que programas de reabilitação bem estruturados reduzem significativamente as taxas de reincidência. Países como Noruega, Finlândia e Dinamarca, que priorizam a reabilitação sobre a punição, apresentam taxas de reincidência consideravelmente inferiores - aproximadamente 20% em comparação com até 76% em sistemas puramente punitivos. Cada ex-detento que não retorna ao crime representa menos uma vítima potencial na sociedade.

A Escola Sociológica de Chicago construiu de uma sociologia da ação, de viés humanista, fortemente impregnada de valores religiosos de tolerância e comprometida com a transformação social. Seus estudiosos defendem que a criminalidade é um produto da desorganização social e urbana, mescla de problema na esfera pública e privada, estrutura com laços familiares e comunitários fragilizados. Os sociólogos de Chicago estudaram a criminalidade concluíram que os ambientes socialmente desorganizados estavam localizados em espaço com deficiências no planejamento e desenvolvimento urbano precário, onde as estatísticas mostravam os maiores índices de cometimento de determinados tipos de crimes, mormente os violentos. E de se salientar que nem todos os crimes são cometidos são por moradores dessas regiões. As teorias da escola de Chicago correspondem a um nível de Civilidade que infelizmente forças fascistas e de extrema direita querem reverter a barbárie. Não estamos nos referindo aqui a crimes passionais, praticados por pessoas perversas e com requintes de crueldade que devem ter uma abordagem diferenciada de outros crimes. O tráfico internacional de drogas, principalmente as cargas que chegam até as fronteiras secas, são outro desencadear de crimes e violências. As politicas de segurança precisam de estudos sérios e estratégias concretas e eficazes de combater as chagas sociais causadas pela violência.

No Brasil, iniciativas como APAC (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados) apresentam índices de reincidência significativamente menores que o sistema tradicional.

Dimensão Educacional e Profissional

A educação formal e o treinamento profissional constituem pilares fundamentais da reabilitação. Programas de capacitação profissional, por sua vez, fornecem ferramentas concretas para a autossuficiência econômica após a libertação, facilitando a ruptura com ciclos de criminalidade alimentados pela falta de oportunidades.

quadro com o total de atividade educacionais em presídios entre julho e dezembro de 2024
SISDEPEN, 2025

A justiça restaurativa, componente importante da reabilitação social, incentiva infratores a reconhecerem o impacto de suas ações e, quando possível, fazer reparações às vítimas. Este processo promove a responsabilização genuína e facilita a reintegração do infrator à comunidade, criando possibilidades de reconciliação e cura coletiva.

BANDIDO BOM É BANDIDO REABILITADO

A preferência pela reabilitação social reflete uma sociedade que valoriza tanto a segurança pública quanto a dignidade humana, reconhecendo que estes objetivos não são mutuamente exclusivos, mas complementares. Ao investir na capacidade de transformação e reintegração dos indivíduos que cometeram crimes, a sociedade não apenas cumpre um imperativo ético de oferecer segundas chances, mas também adota a estratégia mais eficaz para reduzir a criminalidade e proteger seus cidadãos.

A verdadeira medida do sucesso de um sistema penitenciário não deve ser o quão severamente pune, mas o quanto contribui para a criação de uma sociedade mais segura e justa. Nesse sentido, a reabilitação social não representa apenas uma opção entre outras, mas destaca-se como o caminho mais promissor e humano para enfrentar o desafio da população carcerária. Por isso, repito: bandido bom é bandido reabilitado.


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