Thais Carla, a dança da transformação: entre a autoaceitação, a bariátrica e o peso de uma nova vida
- Ana Soáres
- há 2 dias
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No último domingo (31), em meio a pratos sofisticados de um restaurante paulista, Thais Carla, 33 anos, interrompeu a refeição para dividir com seus seguidores algo maior que o cardápio: uma confissão. Quatro meses após a cirurgia bariátrica, a dançarina e influenciadora — símbolo incontestável da luta contra a gordofobia no Brasil — revelou a dificuldade em se adaptar ao novo corpo e às novas regras impostas pela própria saúde.
“Dificuldade de um bariátrico. Faz quatro meses que fiz a bariátrica e estou com um prato delicioso, lindo, mas eu só consigo comer um pouquinho. Eu nem toquei no arroz. Tem que comer bem devagarzinho para não se engasgar. Pelo menos comigo acontece isso. Está tudo delicioso, mas é só ‘beliscadinha’”, disse, em tom de desabafo, nos stories.
Entre símbolos e estigmas
A trajetória de Thais sempre foi atravessada por contradições impostas pelo olhar social. De bailarina plus size a influenciadora com milhões de seguidores, ela se tornou ícone da autoaceitação. Desafiou palcos, programas de TV, marcas e, principalmente, o preconceito cotidiano que insiste em reduzir corpos gordos a estatísticas de risco.

Agora, ao decidir pela cirurgia bariátrica, enfrenta uma nova onda de interpretações — muitas delas cruéis. Afinal, como pode uma militante da luta contra a gordofobia optar por um procedimento de emagrecimento? A resposta veio dela mesma:
“Eu nunca defendi obesidade. Sempre defendi o direito de existir sem ser violentada por isso. Fiz a cirurgia pela minha saúde, para ter fôlego para brincar com minhas filhas e dançar. O que muda é a rotina, não a essência”, afirmou em entrevistas recentes.
O corpo como palco político
No Brasil, mais de 70% da população convive hoje com algum tipo de problema relacionado ao peso, segundo o Ministério da Saúde. Só em 2023, mais de 70 mil pessoas recorreram à cirurgia bariátrica, de acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM). Mas por trás dos números frios, existem histórias reais: cada paciente que entra numa sala de cirurgia não enfrenta apenas o bisturi. Ele carrega também o peso simbólico de viver em uma sociedade que, ao mesmo tempo em que cobra saúde, impõe a magreza como sinônimo de valor pessoal e chega a julgar moralmente quem não se encaixa nesse padrão.
Thais, ao narrar suas dificuldades de comer devagar, mastigar por minutos, priorizar proteínas, traduz em primeira pessoa aquilo que muitas pessoas enfrentam no pós-operatório — um choque de realidade que vai além da balança.
“Aprendi que emagrecer não é só o físico. É também mental e emocional. A maior transformação acontece dentro, na forma como me vejo e me cuido […] Mais do que o número na balança, o que me deixa feliz é ver a minha saúde e disposição melhorando a cada dia”, disse.
Thais Carla: uma vida em movimento
Até agora, Thais já perdeu 60 kg. Mas prefere celebrar conquistas menos midiáticas: conseguir cruzar as pernas, dançar com mais leveza, brincar com as filhas sem perder o fôlego. “Algo que me emocionou muito foi poder pegar a minha perna. Isso é muito comum para quem faz balé. Sempre consegui fazer. Mas após um tempo, tive dificuldades. Hoje já consigo”, contou, emocionada.
Esses relatos, simples à primeira vista, desnudam a dimensão mais íntima do processo: a redescoberta da autonomia corporal.
Mais que estética: a cirurgia como escolha de saúde
Thais não fez a cirurgia para caber em um padrão de beleza — fez por saúde, por disposição e por amor à vida. Já eliminou 60 kg, mas privilegia conquistas silenciosas: cruzar as pernas, dançar com mais leveza, brincar sem fôlego com as filhas.
“Aprendi que emagrecer não é só o físico... mais do que o número na balança, o que me deixa feliz é ver saúde e disposição melhorando a cada dia”, refletiu ela.
Especialistas reforçam a seriedade dessa trajetória. O cirurgião bariátrico Mauricio Mauad, em entrevista à CNN Brasil, lembra que a obesidade crônica traz riscos graves — de diabetes à hipertensão e até ao câncer — e que a cirurgia, bem conduzida, salva vidas.
Já a endocrinologista Cristiane Moulin, do Hospital das Clínicas de São Paulo, alerta que a bariátrica não é estética — é uma intervenção médica pesada, que exige mudanças permanentes e acompanhamento multidisciplinar constante.
Entre os holofotes e a humanidade
Há, porém, um detalhe importante: como figura pública, Thais nunca viverá sua transformação sozinha. Cada garfada, cada prato inacabado, cada quilo perdido se transforma em pauta de rede social, alvo de aplausos ou de julgamentos. Essa superexposição revela não apenas a crueldade dos olhares alheios, mas também a urgência de debater como a sociedade lida com corpos fora do padrão — sejam eles gordos ou em processo de emagrecimento.
Thais Carla nos força a perceber que a luta contra a gordofobia não termina com a mudança de peso. Pelo contrário: ela continua — agora, com novos limites, novos desafios e uma nova vitrine social. Sua escolha não apaga nada do passado, tampouco vende um ideal inatingível. É um relato corajoso de saúde, vulnerabilidade e ressignificação do corpo em um espaço que insiste em condenar quem não segue sua lógica.
A bariátrica, no caso de Thais, não apaga sua trajetória como ativista contra a gordofobia. Pelo contrário: amplia a discussão sobre a pluralidade das escolhas individuais.
Em tempo
Thais Carla está nos ensinando que saúde não cabe em uma fotogenia instantânea. E que a verdadeira liberdade corporal é aquela conquistada com compreensão, não com likes vazios. Se a cirurgia bariátrica pode transformar vidas, ela só cobre metade do caminho — o resto, como mostra a caminhada de Thais, vem do cuidado por dentro.
Todos nós podemos decidir sermos donos dos próprios corpos. Estamos prontos para respeitar isso sem julgar?
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