Geração Alerta: Como a Era Digital Está Moldando (e Fragilizando) a Mente dos Adolescentes
- Ana Soáres
- 28 de mai.
- 4 min de leitura
Na era da hiperconectividade, os adolescentes estão mais online — e mais sozinhos — do que nunca. Uma geração inteira clama por socorro em meio a curtidas, filtros e algoritmos invisíveis. Estamos ouvindo?

Caros leitores, hoje iniciaremos uma série de três conteúdos contínuos sobre os impactos da era digital na vida dos adolescentes, e não trago um furo de reportagem, uma polêmica de bastidores ou uma tendência de saúde que vai bombar no próximo verão. Venho com um convite: vamos olhar, juntos, para o grito silencioso da Geração Z — e, agora, da novíssima Geração Alfa — que ecoa atrás das telas dos smartphones. É um grito que se disfarça de vídeos engraçados, filtros perfeitos e desafios virais, mas que, na verdade, esconde dores reais, diagnósticos psiquiátricos graves e uma solidão assustadora.
A cada semana, somos impactados por dados e relatos que me tiram o sono — e que, como mulheres/homens, mãe e cidadã, me fizeram pensar: estamos prontos para acolher o que está acontecendo com nossos adolescentes digitais?
Uma geração que nasce conectada — mas cresce desconectada de si
Segundo o psiquiatra Rodolfo Furlan Damiano, uma das principais referências em saúde mental da juventude no Brasil e no mundo, o que temos diante de nós é uma pandemia silenciosa de transtornos mentais. E o vilão da vez? Não é apenas o bullying na escola ou a pressão por boas notas. É o feed do Instagram. É o TikTok. É o algoritmo que sabe mais da cabeça do seu filho do que você.
Para 36% dos adolescentes brasileiros, estar online o tempo todo já é rotina. Mas o que antes parecia apenas excesso de tempo de tela virou patologia: 11% apresentam sintomas de dependência digital, com crises de abstinência ao serem privados das redes, perda de interesse em outras atividades e até comportamentos suicidas. Sim, você leu certo. Suicidas.
E talvez o caso mais emblemático desse abismo entre o mundo virtual e a saúde mental real tenha sido o do desafio do desodorante, no qual uma adolescente perdeu a vida ao inalar o spray até desmaiar. Não foi uma brincadeira. Foi um colapso do discernimento causado por uma combinação explosiva: imaturidade neurológica, busca por pertencimento e a estrutura cerebral adolescente — que valoriza muito mais a recompensa imediata do que o risco envolvido.
Cérebro em formação x recompensa digital
O cérebro dos nossos jovens, ainda em construção, não está preparado para lidar com os estímulos em cascata das redes. O córtex pré-frontal, responsável pela tomada de decisões e controle dos impulsos, é o último a amadurecer — e é justamente esse pedaço que entra em colapso quando o adolescente se vê entre ser aceito online ou agir com segurança.
Esse quadro gera consequências diretas: aumento dos casos de depressão, automutilação, distorções cognitivas (como o pensamento “preto no branco”) e uma completa incapacidade de se colocar no lugar do outro. O adolescente entra em comunidades que normalizam o sofrimento e glorificam a dor. E os pais? Muitas vezes viram reféns. Tentam tirar o celular, e recebem ameaças de suicídio em troca.
Na era digital os dados são chocantes, mas não mentem
Entre 2010 e 2015, a taxa de sintomas depressivos entre adolescentes passou de 16% para 21%. E esses números só cresceram. Um estudo recente com 479 adolescentes depressivos mostrou que, após rolar seus feeds, eles se sentem até duas vezes mais rejeitados do que antes. As redes não curam. Elas ferem.
Mas a boa notícia é que dá para mudar. E não, não é com “proibir celular” ou “mandar para o psicólogo e pronto”. É mais profundo. E mais coletivo.
O que fazer? A resposta começa com escuta, informação e ação
Estudos internacionais mostram que bloquear o acesso à internet móvel por apenas duas semanas já gera melhorias significativas na saúde mental, atenção e bem-estar. E que reduzir o tempo de tela para até 2h por dia durante três semanas impacta positivamente o sono, o humor e o estresse. Ou seja: menos é mais, quando o assunto é tela.
Além disso, há um ponto poderoso que precisamos explorar: as redes sociais também podem ser cura — se usadas com responsabilidade. Um estudo publicado na Social Science & Medicine mostrou que, ao ver postagens de celebridades incentivando a esperança, jovens com pensamentos suicidas reduziram drasticamente esses pensamentos e passaram a procurar ajuda.
Estamos diante de uma encruzilhada: as redes podem adoecer, mas também podem salvar. Depende de como usamos. E de como ensinamos a usar.
Alfabetização psíquica digital: a escola que ninguém nos ensinou
O termo cunhado pelo Dr. Rodolfo, alfabetização psíquica digital, é o caminho. Pais, educadores e profissionais da saúde precisam compreender como os mecanismos das redes afetam o cérebro adolescente. Precisamos de políticas públicas que integrem saúde, educação e tecnologia. Precisamos ensinar nossos filhos a sentir, filtrar e se proteger.
E, principalmente, precisamos reconectar os afetos fora das telas. Uma ida ao parque, um jantar em família sem celular, uma conversa olho no olho. Parece clichê, mas é revolucionário.
Hoje, escrevo com o coração apertado, mas esperançoso. Porque se conseguimos criar redes sociais tão poderosas, também podemos criar redes de cuidado ainda mais fortes.
Aos pais: escutem mais, julguem menos. Aos educadores: informem-se, atualizem-se. Aos jovens: vocês não estão sozinhos. À sociedade: abrace essa causa como sua. Porque é.
Não podemos deixar que likes valham mais que vidas. Não podemos permitir que a próxima notificação seja a última.
Vamos juntos cuidar de quem mais precisa de nós: nossas crianças e adolescentes.
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