Anistia do 8 de Janeiro: o xadrez político que se joga nos bastidores do Congresso
- Ana Soáres
- há 4 dias
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Brasília acordou agitada nesta segunda-feira (14). O Partido Liberal (PL), liderado pelo deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), protocolou oficialmente um requerimento de urgência para acelerar a votação do projeto que propõe anistia a todos os envolvidos nos ataques de 8 de Janeiro de 2023, quando os prédios dos Três Poderes foram invadidos e depredados por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Mas o que mais surpreendeu os corredores do Congresso não foi apenas o conteúdo do pedido, mas quem estava assinando. Das 262 assinaturas apresentadas (duas foram invalidadas, mas ainda assim acima do mínimo necessário de 257), 146 vieram de deputados de partidos que compõem a base do governo Lula. Ou seja: mais da metade dos nomes que endossam um projeto defendido pela oposição está no próprio campo de apoio do Executivo.
Essa movimentação revela algo mais profundo do que uma simples votação: é o retrato nu e cru da complexidade política brasileira em 2025, onde alianças formais convivem com interesses informais — e muitas vezes, contraditórios.
A força dos bastidores
Com partidos como União Brasil (40 assinaturas), Progressistas (35), Republicanos (28), PSD (23) e MDB (20) apoiando a urgência, o projeto ganhou corpo. Vale lembrar: todas essas siglas têm representantes à frente de ministérios no atual governo federal. Ainda assim, seus parlamentares decidiram se alinhar ao PL na tentativa de acelerar a tramitação da anistia.
Esse gesto causou reação imediata no Planalto, que passou a pressionar os deputados para que retirassem seus nomes. Sóstenes então agiu rápido: protocolou o requerimento, tornando público o apoio de cada deputado. “O governo não vai nos pegar de surpresa mais”, disse ele em nota oficial.
O desejo de uma “anistia irrestrita”
Nos bastidores, a articulação ganhou força após declarações do próprio Jair Bolsonaro, que mesmo internado em UTI após uma cirurgia no intestino, segue sendo peça-chave no jogo político. Em reunião com advogados, ele deixou claro que não quer modulação ou penas reduzidas, mas sim uma anistia ampla, geral e irrestrita. A fala veio dias após o ministro Luiz Fux, do STF, sinalizar a possibilidade de rever as penas de condenados.
Aliados de Bolsonaro garantem: a internação não freia a estratégia. A pressão agora está em cima do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para que paute o requerimento assim que possível. Se aprovado, ele leva o texto diretamente ao plenário, encurtando o processo legislativo — e criando um embate direto com o Supremo Tribunal Federal, responsável por julgar os envolvidos no episódio.
E o que pensa a sociedade?
O projeto de anistia divide a opinião pública. Uma sondagem informal realizada pela Revista Pàhnorama com 320 moradores do Rio de Janeiro, entre jovens, mulheres, trabalhadores e aposentados, mostra que 41% dos entrevistados são contrários à anistia total. Entre os que se dizem favoráveis, 34% acreditam que apenas os “menos envolvidos” deveriam ser perdoados, e apenas 25% defendem uma anistia geral.
Para muitos entrevistados, o episódio do 8 de Janeiro foi uma ferida na democracia brasileira. A maior preocupação, segundo eles, é o recado que uma anistia poderia dar: de que crimes políticos podem ser esquecidos com o tempo e articulação.
Segue tabela com o número de deputados que assinaram o requerimento de urgência para o projeto de anistia do 8 de Janeiro, por partido, além do total de cadeiras que cada legenda possui na Câmara dos Deputados:
Partido | Assinaturas | Total de Deputados | Percentual que Assinou |
PL | 90 | 92 | 97,8% |
União Brasil | 40 | 59 | 67,8% |
PP | 35 | 48 | 72,9% |
Republicanos | 28 | 45 | 62,2% |
PSD | 23 | 44 | 52,3% |
MDB | 20 | 44 | 45,5% |
Podemos | 9 | 15 | 60,0% |
Avante | 4 | 8 | 50,0% |
PSDB | 5 | 13 | 38,5% |
Cidadania | 3 | 4 | 75,0% |
Novo | 4 | 4 | 100,0% |
PRD | 3 | 5 | 60,0% |
Destaques:
O Novo teve adesão total de seus parlamentares.
O PL, autor do projeto, teve apoio massivo, com 90 dos 92 deputados.
Partidos da base do governo como União Brasil, PP, Republicanos, PSD e MDB também deram apoio expressivo — evidenciando um racha na base governista.
Cidadania e Podemos, com bancadas pequenas, também apresentaram alta adesão.
Esses dados reforçam a relevância política do movimento em torno da anistia, e mostram que o tema está longe de ser consenso, mesmo dentro dos grupos que formalmente compõem o governo. A análise desses apoios pode indicar possíveis tensões futuras nas votações em plenário e na estabilidade da base aliada do presidente Lula.
O que vem a seguir?
A urgência ainda precisa ser aprovada em plenário com maioria simples. Caso isso aconteça, o projeto salta etapas e vai direto à votação final. O Planalto, por sua vez, articula discretamente para barrar a urgência antes que ela ganhe força — inclusive revendo a composição de seus aliados no Congresso.
Enquanto isso, a população assiste mais um capítulo da política nacional se desenrolar com um misto de indignação, curiosidade e vigilância. Afinal, os desdobramentos dessa proposta podem mexer diretamente com o futuro da democracia brasileira.
E você, o que pensa sobre isso?
A política está em jogo — e cada decisão no tabuleiro pode mudar o rumo da história.
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