Cigarro realmente alivia a ansiedade? A verdade por trás de um mito que adoece corpo e mente
- Ana Soáres

- 29 de ago.
- 3 min de leitura
Por décadas, a imagem do cigarro foi associada à ideia de alívio: uma pausa entre um compromisso e outro, um refúgio em momentos de tensão, um ritual silencioso para “acalmar os nervos”. Essa narrativa, alimentada pela publicidade e pelo hábito social, ainda persiste no imaginário de milhões de brasileiros. Mas a ciência, implacável, revela um paradoxo cruel: o cigarro não apenas não reduz a ansiedade, como pode intensificá-la e perpetuar sofrimentos emocionais que já estão à flor da pele.

Celebrado em 29 de agosto, o Dia Nacional de Combate ao Fumo nos lembra que o tabagismo continua sendo um dos maiores desafios de saúde pública. O Instituto Nacional de Câncer (INCA) estima que cerca de 161 mil pessoas morram por ano no Brasil em decorrência do tabaco. Mas além das estatísticas que falam de câncer, enfisema e doenças cardiovasculares, há uma dimensão menos visível — e igualmente devastadora —: o impacto do cigarro na saúde mental.
O cigarro e o mito do alívio
É comum ouvir fumantes dizerem: “o cigarro me acalma”. Mas o que realmente acontece é uma armadilha bioquímica.
“O cigarro cria uma ilusão de controle sobre a ansiedade. O fumante acredita que se sente mais calmo após fumar, mas o que acontece é apenas a interrupção dos sintomas de abstinência da nicotina. É um ciclo vicioso: quanto mais fuma, mais rápido o desconforto volta”, explica Fabiano Santos Moreira, psiquiatra do grupo ViV Saúde Mental e Emocional.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), fumantes têm até 70% mais risco de desenvolver transtornos de ansiedade e depressão em comparação a não fumantes. A nicotina, de fato, provoca uma sensação inicial de prazer ao estimular a liberação de dopamina. Mas esse efeito dura poucos minutos. Logo em seguida, a queda brusca gera irritabilidade, inquietação e, paradoxalmente, mais ansiedade.
A química da dependência
Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (IBGE, 2020), cerca de 12% da população adulta brasileira fuma — mais de 20 milhões de pessoas. Boa parte delas recorre ao cigarro como ferramenta para “administrar” o estresse cotidiano, sem perceber que está fortalecendo um ciclo de dependência que envolve corpo e mente.
Estudos recentes publicados no Journal of the American Medical Association (JAMA) mostram que pessoas com transtornos mentais são duas vezes mais propensas a fumar do que aquelas sem diagnóstico. O que cria um círculo de retroalimentação: a ansiedade leva ao cigarro, o cigarro intensifica a ansiedade.
“O tabagismo não é apenas um problema físico, mas também psicológico. Muitos pacientes com TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada), depressão ou outros transtornos relatam fumar como estratégia de enfrentamento, mas isso mascara o problema em vez de resolvê-lo”, reforça o Dr. Fabiano.
O impacto invisível
O preço do cigarro vai além das estatísticas de mortalidade. Ele se infiltra no cotidiano: noites mal dormidas, sensação permanente de alerta, dificuldade de concentração, explosões de irritabilidade, crises de ansiedade cada vez mais frequentes. É um inimigo íntimo, que sussurra promessas de alívio enquanto entrega apenas mais sofrimento.
Não por acaso, jovens que começam a fumar na adolescência apresentam maior vulnerabilidade não apenas a doenças respiratórias no futuro, mas também a transtornos mentais. É uma geração inteira exposta a um risco que mistura química, hábito e cultura.
Caminhos de libertação
Apesar de tudo, abandonar o cigarro é possível — e libertador. Especialistas apontam que a combinação de tratamento médico, psicoterapia e mudanças no estilo de vida aumenta significativamente as chances de sucesso. Entre as principais estratégias:
Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC): auxilia a identificar gatilhos emocionais e criar respostas saudáveis para eles.
Tratamento medicamentoso: ansiolíticos e antidepressivos, quando necessários, ajudam no reequilíbrio químico cerebral.
Exercícios físicos e técnicas de respiração: comprovadamente reduzem o estresse e a ansiedade.
Grupos de apoio: proporcionam acolhimento, partilha de experiências e suporte coletivo.
“Abandonar o cigarro é um desafio, mas é possível com suporte adequado. O mais importante é compreender que o fumo não é uma solução para a ansiedade. Ao contrário, perpetua o sofrimento emocional e coloca em risco a saúde física”, conclui o especialista.
O convite à reflexão
O cigarro, ontem e hoje, segue vendendo ilusões: de charme, de liberdade, de alívio. Mas por trás da fumaça, a realidade é dura — dependência, doença e um ciclo que aprisiona tanto o corpo quanto a mente.
No Dia Nacional de Combate ao Fumo, a provocação é inevitável:
se o cigarro não acalma e não liberta, por que ainda o aceitamos como companhia?
Talvez a resposta esteja não apenas na política pública, mas na coragem individual e coletiva de romper esse pacto silencioso com um vício que já levou longe demais.







Comentários