Deepfake, desinformação e reputação em risco: por que a responsabilização das plataformas é urgente para quem vive da criatividade
- Da redação

- 18 de jul.
- 3 min de leitura
Por Maria Eduarda Amaral*

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal que responsabiliza as plataformas digitais por conteúdos ilícitos não é apenas uma pauta jurídica: é um divisor de águas para quem vive da própria imagem, da influência e da criatividade. Num cenário em que a inteligência artificial tem sido usada para manipular rostos, vozes e discursos com realismo cada vez mais sofisticado, a ausência de regulação era, na prática, uma sentença de vulnerabilidade para comunicadores e criadores de conteúdo.
Paolla Oliveira, Neymar, Ana Maria Braga, William Bonner e Drauzio Varella são alguns dos nomes que já viraram vítimas de deepfakes no Brasil. Seus rostos e vozes foram usados em vídeos falsos para divulgar golpes financeiros e espalhar desinformação. O impacto não é apenas simbólico: atinge diretamente a credibilidade, o vínculo com o público e o valor econômico da imagem desses profissionais. Em qualquer outro setor, isso seria tratado como dano grave. Na internet brasileira, até agora, era tratado com indiferença institucional.
Esse vácuo jurídico se sustentava em torno do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que exigia ordem judicial específica para remover qualquer conteúdo gerado por terceiros. O resultado era previsível: quando um conteúdo ilegal aparecia, mesmo que envolvesse fraude, incitação ao ódio ou violência, o criador da peça ofensiva era mais rápido que o sistema. A viralização precedia a Justiça. A desinformação corria livre, enquanto a verdade precisava esperar.
O STF, ao reinterpretar esse dispositivo e declarar sua parcial inconstitucionalidade, fez o que o legislativo vinha adiando há anos: assumiu que há conteúdos que não podem depender de uma decisão judicial para serem removidos.
Fake news, discursos de ódio, pornografia infantil, ataques à democracia e crimes que se utilizam da IA para simular a identidade de alguém agora devem ser tratados com resposta imediata. O caminho para isso passa pela responsabilização civil das plataformas que permitirem, ou pior, impulsionarem, esse tipo de conteúdo.
A lógica é simples: se a tecnologia permite manipular com perfeição, o sistema jurídico precisa responder com agilidade. Deepfakes não são apenas uma curiosidade técnica; são armas simbólicas que ameaçam a integridade de quem vive da própria imagem. E o setor da economia criativa precisa de mais que aplauso, precisa de garantia institucional de que, ao ser alvo de uma montagem maliciosa, terá a seu favor uma estrutura legal que impeça o dano de se espalhar.
Segundo dados da Associação de Defesa de Dados Pessoais e do Consumidor (ADDP), golpes digitais aumentaram 50% no último ano, impulsionados justamente por ferramentas de IA generativa. A consultoria Gartner projeta que até 2027, quase um quinto dos crimes cibernéticos terá como base tecnologias de inteligência artificial. Diante desse avanço, manter as plataformas digitais fora do campo da responsabilidade é fechar os olhos para o colapso da confiança pública, inclusive no mercado cultural e criativo.
A responsabilização das redes sociais, nesse novo cenário, não é censura. É uma atualização regulatória compatível com a complexidade do ambiente digital. O argumento da liberdade de expressão não pode mais ser escudo para a impunidade algorítmica. Quando um criador de conteúdo é atacado, quando sua voz é falsificada ou sua imagem usada em golpes, o que está em jogo não é apenas sua carreira, mas o próprio ecossistema digital em que se constrói a cultura contemporânea.
Por isso, a decisão do STF acerta ao exigir mais das plataformas: sede no Brasil, representante jurídico, obrigação de prestar contas sobre moderação de conteúdo, impulsionamento de publicidade e gestão de riscos sistêmicos. O palco digital precisa de bastidores responsáveis. Quem lucra com a atenção dos usuários precisa, nomínimo, garantir um ambiente que proteja os criadores da destruição moral e econômica.
A internet seguirá sendo um espaço de liberdade, criação e invenção, mas liberdade real só existe quando há garantias de que o abuso não será a regra. A responsabilização das plataformas é o primeiro passo para que o digital volte a ser seguro para quem vive daquilo que cria.

*Maria Eduarda Amaral, advogada e membra da ABPI (Associação Brasileira de Propriedade Intelectual), tem atuado para influenciadoras, agências e artistas. É graduada em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara, pós-graduada em Propriedade Intelectual pelo IBMEC-BH e especialista em Direito Digital pela University of Exeter.







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