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Cléo Schneider

DO CORPO AO CORPUS

Atualizado: 28 de mar.

Conto a conto desmembrando e enredando mistérios e sentidos da vida.


Cléo Schneider


Organizado Edna Domenica Merola, em uma publicação independente, a obra reúne 28 contos de diferentes autores que oferecem reflexões sinceras, em uma escrita mágica, sobre a vida e suas inúmeras facetas. Tem-se a impressão que estamos diante de uma grande exposição, daquelas exposições interativas - sabe? - em que se pode admirar e pensar sobre a trama da vida, parte por parte, sem pressa e sorvendo detalhes que, à primeira vista, parecem sutis, mas é só porque raramente os percebemos.


Mais uma analogia me vem à mente: senti-me em uma peça de teatro, uma colcha de retalhos, onde as cenas vão de sobrepondo e formando um grande mapa. Ao final, temos uma dica: somos um conjunto e, por mais que pareça, não estamos sós.


Aqui vou subverter a ordem dos contos e vou falar sobre os contos "barriga da perna" e "caminhar". Não sabia bem, até agora, a razão pela qual decidi começar por aqui. Entretanto, me parece que seja pelo simples fato de que minha caminhada tem sido árdua, e esse não um privilégio meu. E porque sinto tudo no coração e a barriga da perna está ligada ao coração (assim dizem). Apesar das asperezas do caminho, seguimos;. Temos que caminhar, e muitas vezes, dói. Doí o corpo e "dói-me a vida", como diz o menino que escrevia versos, de Mia Couto.


Eu sou (ou fui) uma caminhante. Dessas peregrinas que fazem muitos quilômetros a pé. Aquelas compulsivas, destemidas e desmedidas que se joga, se rasga, se perde pelo caminho e que, muitas vezes, não sentiu o caminhar e que, quando parou, restou apenas a dor no corpo. Um corpo fadigado e um tempo desperdiçado em um trajeto vazio. Está aí minha identificação com este conto - Barriga da perna, de Gilberto Motta.


Quando o li, senti profundamente o destrambelhamento com que tenho caminhado sem sentir, passo a passo, a caminhada. É assim que deixamos de vivenciar coisas tão lindas, pessoas tão deliciosas, cores, sabores, luzes, sons, emoções. e, não raro, partimos para a medicalização das emoções.


As dores surgirão e seguiremos apesar delas. Talvez mais lentamente e, por isso mesmo, apreciando mais o caminho. "Sentei. Olhei para a barriga da perna e vi o tempo…" é a primeira frase do conto, que é bem curtinho, que nos leva a tantas reflexões sobre nossas vidas, o viver e as vivências.


Em Caminhar, a organizadora do livro faz um belo apanhado de palavras. Ao relatar uma cena cotidiana a partir do olhar de uma menina, a própria narradora nos leva a perceber a dimensão do dentro e fora de nós, usando os termos externo e esterno, por exemplo.


A aurora cria uma atmosfera que conduz o leitor a sentir a pulsação de seu coração, a ansiedade gerada por seu medo e a agilidade de seu pensamento, tudo misturado ao folclore local: a ilha da magia. Somos frágeis, e somos grandes.


O texto representa a reconstrução das memórias da autora sobre seu processo de construção de si mesma, seu caminhar. Contudo, essas memórias de coisas vividas por ela nem sempre são suas, mas ditas por outras pessoas. O quanto temos de nós em nós mesmos? - me pego pensando.


Nessa caminhada, quantos passos equivocados e o quanto cada um desses passos constitui nossa essência e o quanto de nosso caráter e essência é constituído aí? O fato é que, a passos lentos ou largos, seguros ou não, caminhamos!


Permito-me dizer que alguns aspectos de diagramação e cuidado com digitação mereciam um cuidado maior para que os aspectos visuais acompanhassem a qualidade dos textos.


Logo mais, teremos mais partes desse corpo, contos quase poéticos!


Estou muito grata por partilhar leitura boa com vocês!




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