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Silver Marraz

Eleições municipais: precisamos de vergonha

É chegada a hora das eleições e da falta, não de consciência, mas da ausência de conhecimento, da vergonha em votar em candidatos que não nos representam enquanto povo.


Por Silver D'Madriaga Marraz


Urna eletrônica

Ciência e intelectualidade não se adquirem por osmose, mas sim através de estudo, pesquisa e esclarecimento. Precisamos ter vergonha daqueles que nos envergonham e que fazem com que tenhamos vergonha de uma Constituição linda na teoria e negligenciada na prática. Peço licença aos milhões de brasileiros e desculpas a quem quer que seja, meu texto não é uma ofensa, mas um desabafo. Precisamos ter vergonha dessa lição constante de escândalos anuais que envolvem nossos políticos e nossa política, como se fosse impossível retirar as páginas deste livro que confronta nossa opinião com o descrédito.


Não há uma semana sequer em que não vejamos nossos políticos envolvidos em escândalos. Para relembrar o que não conseguimos esquecer: dinheiro em cuecas, confiscos de poupança, castelos construídos com dinheiro obscuro – novo título dado ao dinheiro do povo -, pagamentos de horas extras inexistentes, viagens internacionais pagas pela Câmara, caixa dois, nepotismo terceirizado, sogras fantasmas, pagador-geral de salários da União, vale-jatinho, segurança privada, e esta lista de constrangimentos ocuparia o espaço todo deste desabafo.


Precisamos ter vergonha de que todo esse dinheiro não seja capaz de pagar um bom sabonete para lavar o corpo daquele gari que carrega mais de 20kg de lixo por dia, enquanto o mesmo dinheiro consegue pagar um auxílio-moradia de R$ 3 mil por mês, 13º e mais dois salários por ano, R$ 15 mil de manutenção dos gabinetes, R$ 60 mil para contratar até 25 funcionários, R$ 5 mil de telefone e selos, R$ 12 mil de salário líquido por mês.


Diante de tudo isso, pergunto-me se há alguma possibilidade de mudança deste quadro de desmandos que nos envolve. Não questiono a existência dos políticos ou, especificamente, dos candidatos, mas sim a legitimidade deles. E precisamos ter vergonha, pois uma série de desvios e desmandos são transformados em benefícios para eles.


E precisamos ter ainda mais vergonha quando vemos que esta empresa usada para gerir os recursos do povo está cheia de maus funcionários que, pela obviedade do que acontece nas outras, são postos para fora quando não agem de acordo com as regras. Sem contar outras coisas das quais nem podemos sentir vergonha, pois não são colocadas em transparência.


E para aqueles que batem no peito e dizem que têm orgulho de serem brasileiros, faço uma ressalva. Ser um brasileiro orgulhoso é diferente de ter orgulho de ser brasileiro, e se aceitarmos passivamente este peixe cheio de espinhas que nos empurram à garganta todos os dias, sem questionamentos ou reflexões revolucionárias, talvez precisemos rever todos os nossos conceitos.


Não estou dizendo que não devemos ter orgulho de ser brasileiros, mas para batermos no peito e dizermos que temos orgulho, é preciso acabar com a miséria de uma sociedade injustiçada e exigir a demissão de funcionários que não fazem a empresa crescer e a arrastam para o caos.


Acho que todos os escândalos vividos na política brasileira deveriam ser uma cartilha de bolso distribuída e analisada por cada brasileiro. Talvez o contato diário com esta “bomba atômica” nos tornasse mais ativos, revolucionários e menos passivos, coniventes com os anos 70, como nos casos de Wladimir Herzog, Lutfalla, Atalla, Abdalla e as cassações de parlamentares no governo Geisel (1975-1977), até chegarmos ao esquema de desvio de verbas no BNDES.


Assim, defender o plebiscito para avaliar o Congresso e os políticos poderia ser uma metáfora de uma grande revolução, apesar de nossa Constituição considerar isso algo que fere as leis. E assim ficamos de mãos e pés atados. De um lado porque o Congresso se fecha respaldado pelo direito constituinte, e do outro porque nós, povo e militares, cercamos, mas não conseguimos invadir. Mas, vale lembrar dos políticos que fecham as portas discretamente e fazem barulho com os escândalos nos quais se envolvem, mais do que um plebiscito que não funciona. Ou melhor, funciona, mas não tem poder. É como se lembrássemos da época do regime militar: o Congresso estava aberto, mas não funcionava.


Penso que os políticos acreditam que se houvesse um plebiscito, 90% deles perderiam seus direitos, pois grande parte possui um acúmulo desmedido de medidas provisórias, escândalos e desmandos. O poder fica concentrado nas mãos de poucos que decidem o que é e o que não é urgente, caindo, portanto, na inoperância e na passividade imposta e na subserviência adquirida.


Talvez seja hora de um plebiscito sobre os políticos. Sim, um plebiscito onde políticos (que estão lá como nossos empregados, para trabalhar para nós) perderiam seus mandatos e, assim, tentaríamos restaurar a credibilidade da política brasileira respaldada por uma revolução do povo que não pode fechar os olhos por ser perigoso.


Mas qual seria a verdadeira finalidade disso?


A finalidade é anular este divórcio entre políticos e opinião pública, onde a nova relação amorosa seja transparente. Abrir as cortinas e não fechá-las, porque assim serão bem poucos e notados os sem-vergonha que ainda se esconderão atrás delas.

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