Enchentes no Texas: desastre natural expõe falhas de gestão e alerta nos EUA
- Shayla Silva
- 20 de jul.
- 4 min de leitura
Com mais de 120 mortos, dezenas de desaparecidos e comunidades inteiras destruídas, as enchentes que atingiram o Texas em julho de 2025 escancaram o impacto de eventos climáticos extremos agravados por falhas estruturais e políticas públicas negligentes.

Um 4 de Julho que virou tragédia. Enquanto os Estados Unidos comemoravam a independência nacional, moradores do Texas foram surpreendidos por uma das piores enchentes da história do estado.
Nas primeiras horas do feriado de 4 de julho, chuvas intensas atingiram a região central do Texas, provocando inundações-relâmpago que devastaram bairros, acampamentos e estradas.
O saldo até o momento é de pelo menos 120 mortos, com mais de 160 desaparecidos, sendo 150 deles apenas no condado de Kerr. O estado, conhecido por registrar o maior número de mortes por enchentes nos EUA, assistiu novamente a uma tragédia anunciada — e que poderia ter sido, em partes, evitada.
Uma região com histórico de risco, Texas
O Texas lidera as mortes por inundações nos Estados Unidos. No período de 1959 a 2019, foram constatadas 1.069 vidas perdidas no estado, sendo que a maioria se concentra na região da tragédia atual, o Texas Hill Country — centro do Texas.
Esse epicentro do desastre é chamado de Flash Flood Alley — ou “Beco das Enchentes Relâmpago” —, uma área conhecida por sua geografia propensa a inundações repentinas. O local é cortado pelo rio Guadalupe e cercado por colinas íngremes, que facilitam o acúmulo e o escoamento rápido da água. Em menos de 45 minutos, o rio subiu oito metros, transbordando violentamente.
Além da topografia, a Escarpa de Balcones, uma falha geológica na região, contribui para a formação de chuvas intensas ao condensar o ar quente vindo do Golfo do México. Soma-se a isso o fato de ser uma região semiárida, com solos que não absorvem a água. Ou seja, a água acumula e se move rapidamente, levando o que vê pela frente. Em um cenário de mudanças climáticas e verões cada vez mais úmidos e quentes, o risco de desastres como esse só cresce.
Acampamentos devastados: o caso do Camp Mystic
Ao longo do rio Guadalupe existem pelo menos 18 acampamentos, muitos deles cristãos e voltados a atividades recreativas, para crianças e adolescentes. No total, 12 acampamentos sofreram danos severos, alguns em proporções catastróficas, como o Camp Mystic.
Fundado na década de 1930, ele foi diretamente atingido pela força das águas. As enchentes tomaram o local, que abrigava meninas e adolescentes, ainda durante a madrugada, enquanto muitos dormiam.
Segundo as autoridades locais, 27 meninas e monitoras morreram nas enchentes, e outras seguem desaparecidas. O diretor do acampamento, Richard “Dick” Eastland, também está entre as vítimas.
Negligência pública? Falhas nos alertas e ausência de sistemas de emergência
Um dos assuntos que gerou debate nesse caso foi o envolvimento de autoridades públicas (federal e estadual) na proteção da comunidade local. Afinal, como que a população foi pega de surpresa por um evento climático que foi identificado e alertado por agências de meteorologia?
Na semana do incidente, na quarta, o Departamento de Gestão de Emergências do Texas (TDEM, na sigla em inglês) havia acionado os recursos de resposta a emergências por conta do aumento de ameaças de enchentes no oeste e centro do Texas.
Na quinta, o Serviço Nacional de Meteorologia (NWS, em inglês) emitiu um alerta de inundação, identificando o condado de Kerr como um local de alto risco de enchentes durante a noite.
Apesar disso, a catástrofe aconteceu. Em declaração à imprensa, o governador do Texas, Greg Abbott, atribuiu a tragédia à “magnitude do desastre”, visto que não se esperava um paredão de água de quase 9 metros de altura. Além disso, nem todos receberam o alerta de emergência — ou receberam tarde demais —, visto que algumas áreas não pegam área de cobertura de celular.
Quanto a isso, o juiz do condado de Kerr, Rob Kelly, reconhece que a região carece de um sistema de alertas eficiente. Ele até declarou à rede CBS que, há seis anos, o condado considerou instalar um sistema de alerta de enchentes ao longo do Rio Guadalupe, semelhante às sirenes que avisam sobre tornados. No entanto, o projeto nunca foi implementado por conta do alto custo e falta de verba.
O governo Trump tem algo a ver com isso?
A tragédia também reacendeu a discussão sobre os cortes de orçamento e pessoal em agências federais promovidos pelo governo do presidente Donald Trump, reeleito no ano passado.
O governo Trump cortou centenas de empregos no NWS, com uma redução de pelo menos 20% no quadro de funcionários em quase metade dos 122 escritórios de campo distribuídos pelo país. Além disso, centenas de meteorologistas e gerentes seniores mais experientes foram incentivados a se aposentar mais cedo.
O Departamento de Eficiência Governamental, sob orientação do bilionário Elon Musk, foi responsável pela demissão e aposentadoria de 600 funcionários do NWS em apenas seis meses. Os cargos vagos em pelo menos dois escritórios do Texas dobraram desde janeiro, quando Trump voltou à Casa Branca, comprometendo o monitoramento em áreas críticas como o centro do Texas.
Além disso, o New York Times revelou que, em meados de maio, a força de trabalho da NOAA (Administração Oceânica e Atmosférica Nacional) sofreu um corte de 11%, que envolve cerca de 800 demissões. Quase metade desses cortes de pessoal veio do serviço meteorológico.
Estado de emergência e risco contínuo
Mesmo após a tragédia, o estado do Texas permanece em alerta. Nas semanas que prosseguiram, o condado de San Saba declarou estado de emergência no domingo (13), diante da previsão de novas tempestades perigosas. O Parque Estadual Colorado Bend foi fechado por risco de alagamentos.
Enquanto os resgates continuam e as famílias tentam lidar com a dor, fica evidente que não se trata apenas de um desastre natural. A tragédia no Texas é também resultado de negligência política e falta de investimento em prevenção — um retrato duro de como catástrofes climáticas, mesmo que sejam inevitáveis, podem ser agravadas por decisões humanas.
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