Entre o desejo e o companheirismo: por que tantos homens reservam o afeto verdadeiro apenas para outros homens?
- Yuri Barretto
- há 33 minutos
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O afeto masculino sob filtro: desejo versus acolhimento

Quando o assunto é paquera, desejo ou atração, muitos homens parecem saber exatamente como demonstrar afeto. Olhares, gestos, mensagens e até vulnerabilidades momentâneas surgem com facilidade. Mas, curiosamente, quando a relação com uma mulher se afasta da esfera sexual e entra no campo da parceria, do acolhimento e da escuta, esse mesmo afeto se retrai — como se não houvesse espaço para ele fora do contexto da conquista.
Por outro lado, o mesmo homem que evita demonstrar ternura ou escuta profunda a uma mulher, é capaz de ser um verdadeiro porto seguro para seus amigos. O apoio, o toque no ombro, a preocupação genuína, o “tamo junto” dito com emoção — tudo isso aparece com força quando se trata de outro homem.
A cultura do “brother”: o espaço seguro da masculinidade

Essa diferença de comportamento não é coincidência. Está enraizada em uma cultura que molda o homem desde cedo a conter a emoção diante das mulheres, mas a liberá-la entre “iguais”. O ambiente masculino — o do futebol, da cerveja e do churrasco — se torna um refúgio afetivo em que o homem se permite sentir, desabafar e ser acolhido sem medo de julgamento.
Nas rodas de amigos, é comum ver demonstrações de afeto que, há algumas décadas, seriam vistas como fraqueza. Eles se apoiam em rompimentos, dividem crises pessoais e falam de medos com sinceridade. Mas, paradoxalmente, esse mesmo espaço de cuidado raramente se estende às mulheres de suas vidas.
Com elas, o afeto tende a ser condicionado: é permitido enquanto há interesse sexual, mas regrado ou contido quando a relação é de amizade, trabalho ou convivência neutra.
O medo da vulnerabilidade diante do feminino

Parte dessa barreira vem de uma construção histórica. Muitos homens foram ensinados a enxergar as mulheres como figuras a conquistar — não como parceiras de escuta. Ser vulnerável diante delas ainda soa, para alguns, como perda de poder ou masculinidade.
É um medo silencioso, mas profundo: o de ser visto como “fraco”, “emocional demais” ou “dependente”. Assim, mesmo os que desejam se abrir acabam criando uma distância emocional, reservando o verdadeiro afeto apenas aos “brothers”, onde não há risco de ferir o ego nem o papel social esperado.
Hora de rever os afetos

A pergunta que fica é: por que o homem consegue acolher o outro, mas não a mulher que caminha ao lado dele?
Se existe espaço para a empatia masculina, para o cuidado e para a escuta entre amigos, por que não ampliar esse afeto para as mulheres — sem que isso precise ser lido como desejo ou segundas intenções?
Talvez esteja aí um dos grandes desafios da masculinidade contemporânea: reaprender o afeto sem medo, sem filtro e sem gênero.
Porque o verdadeiro companheirismo não precisa nascer da paquera — pode nascer do simples gesto de enxergar no outro, independente de quem seja, um lugar possível de apoio e humanidade.


